A proposta do Governo para a nova lei da videovigilância abre a porta à utilização de sistemas de videovigilância com mecanismos de Inteligência Artificial (IA) que poderão, por exemplo, fazer o reconhecimento facial dos cidadãos.
No artigo que define a recolha e tratamento de dados, a proposta do executivo liderado por António Costa diz que “é permitida a captação de dados biométricos” através de câmaras de videovigilância por parte das forças de segurança. Ou seja, permite que seja feita a recolha de características físicas ou comportamentais que podem ser usadas para a verificação da identidade de uma pessoa.
Ainda no mesmo ponto, ressalva-se, no entanto, que o tratamento desses dados só será possível para prevenir atos terroristas e mediante autorização judicial prévia.
A proposta de lei nº 111/XIV/2.ª refere ainda que no ato de pedido de autorização para instalação de um novo sistema de videovigilância, as forças de segurança terão de identificar nesse pedido os dados biométricos que vão estar sujeitos a recolha e também terão que submeter uma avaliação do impacto que o tratamento dos dados recolhidos pelas câmaras com Inteligência Artificial pode ter na privacidade dos cidadãos.
Mas há mais a saber. A proposta do Governo prevê ainda que a visualização e o tratamento dos dados registados pelas câmaras de videovigilância possam ter associadas ferramentas de análise dos dados captados. Também aqui há uma ressalva: estes software não podem permitir a descodificação dos dados por forma a reconstruir a informação biométrica das pessoas que constam na gravação.
De recordar que o reconhecimento facial por videovigilância é considerado como uma das utilizações de “alto risco” da Inteligência Artificial, por parte da Comissão Europeia, que na sua proposta de regulação quer limitar o uso de sistemas inteligentes de videovigilância por parte das polícias. Também os reguladores europeus da área da privacidade pediram recentemente a proibição de utilização de sistemas de reconhecimento facial em espaços públicos.
Polícias com poderes reforçados
Existem outros pontos de destaque na proposta para a nova lei da videovigilância. Por exemplo, está previsto um cenário de exceção no qual as forças de segurança podem instalar câmaras de segurança sem seguir os procedimentos de autorização definidos na proposta. Tal só deverá acontecer “quando estejam em causa circunstâncias urgentes devidamente fundamentadas e que constituam perigo para a defesa do Estado ou para a segurança e ordem pública”.
O membro do Governo responsável pela força de segurança que fizer essa instalação terá de ser informado e o pedido de instalação formal terá sempre de ser submetido num prazo de 72 horas – se não vier a ser autorizado, então todas as filmagens e dados recolhidos têm de ser destruídos.
Outro exemplo deste reforço de poderes é estar previsto que as forças e serviços de segurança possam aceder aos sistemas de videovigilância de “qualquer entidade pública ou privada”, desde que instalados em locais públicos ou privados de acesso ao público.
Bodycams policiais avançam
A proposta apresentada à Assembleia da República também já inclui as linhas que vão regulamentar a utilização de câmaras corporais (conhecidas como câmaras portáteis ou bodycams) por parte das forças de segurança. Fica para já definido que as câmaras portáteis devem ser colocadas de forma visível, no uniforme ou equipamento da força de segurança, e também devem incluir sinalética que explica a finalidade daquela câmara. Sempre o que polícia começar a gravar, tem de fazer um aviso “percetível” de que o vai fazer.
A captação e gravação de imagens e som apenas só poderá ser feita em caso de intervenção de elemento das forças de segurança durante a ocorrência de um crime, situação de perigo iminente ou quando existir uma alteração da ordem pública.
O Governo define ainda, no total, um total de 15 cenários nos quais é permitida a utilização de sistemas de videovigilância e que incluem proteção de pessoas, animais, bens, edifícios e controlo de tráfego rodoviário, entre outras.
A proposta de lei nº 111/XIV/2.ª terá ainda de ser discutida pelos partidos que constituem a Assembleia da República e durante o processo legislativo deve ser ouvida a Comissão Nacional de Proteção de Dados.