Os males que vêm por bem ganham um sentido reforçado na vida de Uwe Diegel. Aos 26 anos, quando se preparava para ser lançado como pianista clássico profissional, um acidente destrói-lhe o braço direito. «Tive de ser reciclado para a área da medicina. Ainda toco, mas não aguento passar aquelas 12 horas diárias a praticar». A reciclagem haveria de abrir caminho ao cognome de “Steve Jobs das tecnologias médicas”, devido ao sucesso granjeado com a iHealth. Em 2015, o irmão visita-o em Paris. Os dois vão a um bar. E o irmão, que é diabético, pede ao barman para guardar a insulina no frigorífico – mas o frasco acabou por ir parar ao congelador. Da crise nasce a oportunidade: em paralelo com a procura de uma farmácia, começa a ganhar forma o primeiro protótipo da Lifeina: um pequeno frigorífico portátil para os 5% da população mundial que precisam de medicamentos diariamente. Passados dois anos, o protótipo final está construído – e ganhou o concurso de startups da Web Summit.
A estreia comercial só deverá acontecer em fevereiro de 2018, mas a jovem empresa já conta com 8700 encomendas. «Por dia recebemos cerca de 800 mensagens», refere Uwe Diegel. «Ninguém pergunta o preço, mas sim quando é possível comprar».
Em termos empresariais, Uwe Diegel já vai na quarta vida: começou com a Spangler, depois evoluiu para a MicroLife e, por fim, chegou ao topo com iHealh. Até que em fevereiro o topo deixou de chegar. «Estava farto de andar a fabricar pedaços de plástico», diz numa frase. Surge um novo capítulo com a Lifeina. «Agora acordo com gosto de ir trabalhar». A frase típica dos empreendedores que deixaram de ligar ao dinheiro e que mantêm vivo o lema de Steve Jobs, quando defendeu o desenvolvimento de produtos que chegam ao coração das pessoas.
As palavras do malogrado líder da Apple ainda hoje devem ecoar na cabeça de empresário sul-africano radicado em Paris – ou não fosse o primeiro frigorífico portátil da Lifeina uma máquina sem parafusos, que usa baterias destacáveis para poder viajar de avião e que já ganhou um primeiro prémio de design. Não passa de especulação pura, mas não seria de admirar que o designer do pequeno frigorífico Life In a Box fosse um fã de iPhone e iMacs. Pelo menos é essa a ideia que fica quando se vê o pequeno frigorífico,
O Life in a Box deverá fazer a estreia comercial com preços entre os 150 e os 250 euros – consoante sejam escolhidas baterias de 12, 24 ou 36 horas (ainda nem todos os modelos de baterias estão disponíveis). Cada um destes pequenos frigoríficos, deverá garantir temperaturas entre dois e oito graus. O dispositivo está apto a comunicar através de redes sem fios e enviar dados sobre as condições em que se encontram os medicamentos. Esta capacidade de comunicação também vai ser aproveitada para lançar alertas para as horas das tomas.
A caixa frigorífica dispõe de uma tranca que abre através de um comando enviado com a app de telemóvel. Não se trata apenas de uma questão de privacidade, recorda Uwe Diegel: «Cerca de 95% dos acidentes relacionados com a toma de medicamentos por crianças têm a ver com o facto de esses medicamentos terem sido colocados em frigoríficos (convencionais)».
No caso do adultos, é a vontade de parecer normal que prevalece. Uwe Diegel recorda que as pessoas não querem que os outros saibam que sofrem esclerose múltipla, diabetes, sida ou cancro. Resultado: acabam por deixar em casa os medicamentos que necessitam de frigorífico. O que produz um efeito iô-iô na saúde: a condição física sobe depois da toma do medicamento; e logo desce devida à privação a que os doentes se sujeitam por vergonha. Nas finanças, o efeito iô-iô converte-se numa descida a pique: só nos EUA perdem-se 300 milhões de dólares anuais devido a complicações relacionadas com as tomas de medicamentos desreguladas, recorda o mentor da Lifeina..
Segundo Uwe Diegel, os produtos da Lifeina deverão ter garantia vitalícia. Perante o espanto dos jornalistas, esclarece: «Os “meus” produtos sempre tiveram garantia vitalícia. Mas garantia vitalícia não é nada. Em dois anos isto já será um dinossauro; já terei desenhado um modelo com um espaço maior, e mais autonomia».
Os tais dois anos que fazem com que o mundo regresse à pré-história tecnológica poderão ainda ser aproveitados para a Lifeina lançar um pequeno tubo frigorífico com 25 horas de autonomia energética, que foi desenhado à medida de quem necessita de tomar insulina. «E também estamos a pensar desenvolver uma solução para o transporte de órgãos (usados em transplantes)», promete.
Hoje, a Lifeina conta apenas com seis pessoas. Diegel garante que vai usar os 50 mil euros do prémio da Web Summit em investigação. E lembra que não ganhou o título de Steve Jobs das tecnologias médicas por vender projetos promissores antes de amadurecerem. «A nossa previsão oficial diz que vamos vender 20 mil unidades do Life In a Box em 2018. Mas tenho quase a certeza de que vamos vender bem mais. Talvez 80 mil e 100 mil caixas», promete.