Nem os próprios investigadores da área estavam à espera deste resultado: O Mar Mediterrâneo é, em todo o mundo, a área de maior risco para as aves marinhas. Com grande concentração destas espécies e fortemente contaminado com plástico, este mar é uma gigante armadilha, conclui-se no estudo coordenado pela professora do Departamento de Biologia Animal (DBA) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c), Maria Dias, e publicado na revista científica Nature Communications.
Apesar de não existir esta perceção pública, as aves marinhas fazem parte do grupo de animais mais ameaçados de extinção a nível global. Isto resulta do facto de o seu ciclo de vida passar pela terra, onde nidificam, e pelo mar, onde se alimentam. Desta forma acabam por ser afetadas pelos danos causados a um e a outro ecossistema. “Em termos gerais, as aves estão menos ameaçadas do que outros grupos, como é o caso dos anfíbios ou dos corais. A exceção são as aves marinhas”, explica Maria Dias. “Precisam de terra para fazer o ninho, do mar para comer. Portanto, sofrem os impactos dos dois lados.” Um problema especialmente flagrante nas ilhas. Resulta daí que um terço destas espécies estão classificadas como “vulneráveis”, “em perigo” ou “criticamente em perigo” na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza, refere um comunicado de imprensa da FCUL.
A missão da organização Birdlife, sedeada no Reino Unido, é ambiciosa: conhecer e estudar todas as aves à face da Terra. Para isso, conta com um exército de mais de dois milhões de observadores, cientistas e voluntários, numa rede transcontinental. Em 2020, Maria Dias integrava a organização e foi nesta altura que iniciou este projeto, coordenando a equipa de cientistas que coligiu os dados e produziu os resultados agora apresentados.
Dados de 77 espécies de aves marinhas, mais de 7 000 indivíduos e 1.7 milhões de posições registadas através de aparelhos de seguimento remoto (como o GPS), foram analisados em conjunto com mapas da concentração de plástico a nível global. A partir do cruzamento desta informação, a equipa de cientistas foi assim capaz de identificar as áreas onde a exposição das aves aos resíduos é maior, e quais as espécies e populações mais afetadas.
De acordo com informação prestada pelo OKEANOS – Instituto de Investigação em Ciências do Mar, da Universidade dos Açores, também envolvido no trabalho, “muitas espécies de aves marinhas são particularmente sensíveis à poluição por plásticos, uma vez que ingerem frequentemente plásticos ou ficam enredadas neles quando se alimentam”. São exemplos especialmente críticos os painhos, que percorrem grandes distâncias durante a alimentação e a migração e retêm o plástico durante períodos mais longos, devido à estrutura do seu trato digestivo.
Comparando os riscos de exposição entre populações, estações do ano e jurisdições, incluindo as áreas de alto mar fora das ZEEs que estão fora da jurisdição nacional das nações costeiras, a equipa de cientistas identificou também como espécies ameaçadas a cagarra (espécie bem conhecida nos Açores e na Madeira), a cagarra-de-Newell e a pardela-do-Havaí. “Este facto é particularmente preocupante para as espécies que já correm um maior risco de extinção devido a outras ameaças, como as espécies invasoras, as pescas e as alterações climáticas”, reforça o comunicado do OKEANOS.
Percebeu-se ainda que o risco de exposição é maior fora das ZEE. O que reforça a “importância da cooperação internacional para mitigar o problema da poluição de plástico em alto-mar”, sublinha a investigadora do OKEANOS, Verónica Neves, tendo em conta que as medidas de atenuação da poluição por plásticos exclusivamente nas ZEE são insuficiente no que toca à proteção da maioria das espécies.