“Nós não estamos no fim da evolução, estamos no início”. Depois de um ano extremamente agitado no mundo da Inteligência Artificial – desde o crescimento da OpenAI, à resposta da Google e Microsoft, a outros lançamentos de relevo como a xAI –, o aviso de Cátia Pesquita, investigadora no Laboratório de Sistemas Informáticos de Grande Escala (LASIGE), é uma pertinente chamada de atenção sobre o que ainda está para vir do ramo da Inteligência Artificial. E não foi a única ideia importante a sair do debate sobre Inteligência Artificial no evento Os Melhores e As Maiores do Portugal Tecnológico.
“De momento, a Inteligência Artificial é muito artificial porque é baseada em algoritmos de grande poder computacional, mas tem uma base muito humana porque é treinada com dados gerados por humanos”, sublinhou ainda a especialista em IA.
Já Nuno Santos, diretor da pós-graduação em analítica para negócios do ISCTE Executive Education, comparou o momento que estamos a atravessar com o momento do icónico filme Os deuses devem estar loucos, no qual uma garrafa de Coca-Cola cai junto a uma tribo remota. “É normal que estejamos a olhar para a IA como uma divindade, estamos eufóricos, pois está-nos a mostrar as capacidades que as máquinas têm de fazer coisas. A capacidade para dialogar em linguagem natural é inerentemente humana e isso leva a uma ilusão sobre o estado da tecnologia”.
Mas o investigador sublinha que alguns sistemas que nos são apresentados como tendo Inteligência Artificial são, na realidade, baseados em mecanismos de computação antigos. “Sou dos maiores adeptos de todos estes instrumentos, mas devemos ter algum bom senso. Os grandes modelos linguísticos [LLM] que estão em grande voga levam-nos a pensar que são dotados de uma inteligência comparável à do ser humano, quando não são mais do que papagaios”, disse Nuno Santos, parafraseando uma passagem de Arlindo Oliveira, professor do Instituto Superior Técnico, que faz parte do livro 88 Vozes pela Inteligência Artificial.
Também Manuel Dias, diretor de tecnologia da Microsoft Portugal, sublinhou a necessidade de se “desmistificar” a Inteligência Artificial. “Isso passa por explicar casos de uso, os riscos e as metodologias”, considera.
Fazer mais, mais rápido
Há um grande motivo para a Inteligência Artificial estar em voga – não é só o facto de a tecnologia estar a ganhar uma capacidade de interação mais humana, mas também os ganhos que se podem obter. “Cobrimos transações para 230 países. E processamos anualmente cerca de cinco milhões de pedidos de crédito. Para nós processarmos esta quantidade de informação, os recursos humanos que temos não chegam. Há uns anos começamos a aplicar ferramentas de aprendizagem automática em alguns aspetos, sobretudo na deteção de risco”, exemplificou Fernando Branco, diretor de grandes empresas da Crédito y Caución, “São ferramentas de apoio à decisão”, adiantou, sublinhando de seguida que “a última decisão é sempre tomada por pessoas”.
Além da maior otimização e eficiência nos processos de trabalho, a IA tem sido importante para a Crédito y Caución de outra forma. “Estamos num setor de atividade que é cinzento, é um setor onde temos muita dificuldade em atrair talento. E portanto, acho que há um conceito errado em relação à IA de que vai substituir empregos. A nossa expectativa é que gere mais empregos”, detalhou, a propósito de agora já ser possível fazer mais com o mesmo número de funcionários.
Também Cátia Pesquita partilhou um exemplo de como a tecnologia de IA está a ser aplicada num grupo de investigação do qual faz parte. “Um [dos projetos] tem como objetivo recomendar drogas oncológicas que são personalizadas, desde a parte genética à parte clínica. Integramos com conhecimento clínico e científico já adquirido, recomendamos uma droga ao paciente, explicamos os mecanismos de ação e porque aquela droga faz sentido para aquele paciente. Temos também outro projeto para prever a necessidade de ventilação em pessoas com doenças degenerativas”.
É preciso adaptar
O impacto da Inteligência Artificial sobretudo no mundo do trabalho promete ser de tal ordem de grandeza que é preciso começar a pensar, de forma estratégica, como é que um grande número de pessoas irá aprender a trabalhar com esta tecnologia, defenderam os participantes do painel.
“Para que não tenhamos o efeito da Coca-Cola que cai no deserto, isto só se combate com saber, com conhecimento, combatendo a ignorância. É evidente que há riscos e isso a sociedade vai ter que resolver. Eticamente, juridicamente, responsavelmente, a sociedade no seu todo vai ter que resolver”, adiantou Nuno Santos. “Nós enquanto cidadãos, enquanto empresas e agentes económicos, ou nos tornamos competitivos e nos adaptamos, deixamo-nos de dogmas e mitos, ou então perdemos o comboio”.
Para Manuel Dias, a IA não é apenas uma questão empresarial – trará também ganhos importantes “de uma perspetiva individual de criatividade e produtividade”. É por isso que a tecnológica tem vindo a apostar no conceito de copiloto, no qual o utilizador tem, em diferentes ferramentas e diferentes momentos do dia, “um assistente que trabalha consigo”. E o termo para designar estas tecnologias não foi escolhido ao acaso: “O copiloto precisa de um humano”.