Por esta altura, ainda só algumas pessoas já viu o “Vingadores: Endgame”, mas é uma questão de tempo até serem milhões. Estimativas com base nas reservas de bilhetes apontam para uma receita de 750 a 800 milhões de dólares logo no primeiro fim-de-semana nas salas de cinema de todo o mundo, devendo ultrapassar os mil milhões de dólares (perto de 900 milhões de euros) numa só semana.
O 22º filme do Marvel Cinematic Universe (MCU) fecha com estrondo o ciclo iniciado em 2008, com o lançamento de “Homem de Ferro”, esperando-se uma nova chuva de cifrões. Caso ela se confirme, este será o filme mais bem-sucedido da Marvel e ajudará a cimentar o seu lugar com a mais lucrativa saga da história do cinema. Um estatuto que alcançou este ano, com o lançamento de “Capitão Marvel”.
Nestes 11 anos, os filmes MCU já arrecadaram 18,5 mil milhões de dólares (16,5 mil milhões de euros) nas bilheteiras mundiais. Por comparação, isso é quatro vezes mais do que o Governo português gastou com investimento público no ano passado. No entanto, esse valor não é muito útil para fazer comparações com outros franchises cinematográficos. Para isso temos de utilizar as receitas alcançadas no mercado norte-americano, ajustadas à inflação. Isto é, eliminando o efeito do aumento generalizado dos preços ao longo dos anos.
Nessa ótica, o MCU acumulou 7,8 mil milhões de dólares em ganhos e ultrapassou este ano, pela primeira vez, a “Guerra das Estrelas”, cujos 11 filmes rondam uma receita total de 7,5 mil milhões. Em terceiro lugar surge a saga “James Bond”, com 5,8 mil milhões e, em quarto, “Harry Potter” (3,6 mil milhões).
O mais impressionante no desempenho financeiro do MCU é que teve muito menos tempo para o alcançar. A “Guerra das Estrelas” está lutar com sabres de luz desde 1977 e “James Bond” começou a usar a licença para matar em 1963. Vejam como têm evoluído as receitas destes franchises neste gráfico do site The Numbers:
Nem todos os 22 filmes MCU foram bem-recebidos – não haverá muita gente a rever “O Incrível Hulk” ou “Thor: O Mundo das Trevas” -, mas nenhum deles foi um flop financeiro. Há um ano, em antecipação da “Guerra do Infinito”, a VISÃO passou em revista a atribulada e improvável história financeira da Marvel: de empresa na falência e em risco de perder os direitos das suas principais personagens até rainha do cinema.
Até 2018, nove milhões de portugueses já tinham visto os filmes do MCU, com uma receita de 45 milhões de euros. “Há uma apetência de mercado para estes filmes. Quem gosta tem agora poder de compra”, explicava na altura Filipe Homem Fonseca, argumentista e escritor. “Se há um mercado cada vez mais doido por escapismo, estes filmes oferecem a ideia de ‘venham passar duas horas com este franchise e levem os bonecos’.”
Embora eles não tenham inventado o conceito, estes filmes foram os primeiros a criar um universo partilhado dentro do qual podem existir duas dezenas de fitas, cada uma com a sua história, mas que contribuem para um enredo central, que chegará à sua conclusão com “Endgame”. “Nos anos 80, três filmes eram um grande franchise. Agora, a Marvel provou que é possível construir um franchise que dure décadas. Cada filme é construído sobre o outro, tornando-os sequelas uns dos outros. Nunca ninguém tinha feito isto e deixa Hollywood a babar-se. A Warner Bros. está a tentar, com a DC e “Harry Potter”, a Universal tentou com os seus monstros e “A Múmia””, explicou à VISÃO Reed Tucker, autor de “Slugfest: Dentro da Épica Batalha de 50 anos entre a Marvel e a DC”.
Depois de “Endgame”, muita coisa mudará no MCU. Estrelas centrais como Robert Downey Jr. e Chris Evans devem abandonar a Marvel, o que significa que darão lugar a uma nova vaga de atores, como Tom Holland (Homem-Aranha). Ninguém garante que as novas histórias tenham tanto sucesso como estas, mas a Marvel tem provado nestes anos que consegue encontrar ouro até em personagens pouco conhecidas da maior parte das pessoas. Basta olhar para os “Guardiões da Galáxia” ou para o “Homem Formiga”.
Contudo, este sucesso está também a significar um afunilamento da indústria do cinema. Ao ver os milhões que entram nos cofres da Marvel, os grandes estúdios tentam replicar o modelo, financiando todos os projetos cujos atores vistam licra ou disparem rarios dos olhos. Vários realizadores têm assumido que isso está a prejudicar a criatividade e a diversidade nas salas de cinema. O dinheiro vai todo para os super-heróis.
Além disso, não devemos descartar a possibilidade de estarmos perante uma bolha que, eventualmente, irá rebentar. “Há muito tempo que digo que existe uma bolha nos filmes de super-heróis, mas tenho sido desmentido todos os anos”, dizia há um ano Tucker. “Acho que a bolha não rebentou porque a Marvel continua a produzir êxito atrás de êxito sem um único flop. É um sucesso sem precedentes em Hollywood.”
E este universo só deverá continuar a expandir-se. Há dez anos, a Marvel foi comprada pela Disney por 4 mil milhões de dólares e, este ano, o império do Rato Mickey deu mais de 71 mil milhões pela 21th Century Fox, o que significa que personagens como os X-Men e o Quarteto Fantástico voltam a estar sob o mesmo tecto que Capitão América, Thor e Homem de Ferro.
Isso não quer dizer que os outros “mega-franchises” tenham desistido. Apesar da desilusão que foi “Solo”, a “Guerra das Estrelas” lançará em dezembro o último filme da sua mais recente trilogia, esperando-se que quebre os recordes dos anteriores. E, na realidade, estão todos a trabalhar para o mesmo patrão. Desde 2012, a “Guerra das Estrelas” também pertence à Disney.