Sustentabilidade. Estamos todos cansados de ouvir esta palavra, mas é a melhor para agregar e resumir tudo aquilo que tem acontecido nos últimos anos relativamente aos movimentos das empresas, trabalhadores e também das cidades onde estes se integram, movem e vivem.
Em São Francisco, e segundo uma reportagem publicada recentemente no The New York Times, o centro começou a ficar vazio – e com espaços comerciais a acumular falências – porque o teletrabalho levou dos super-inflacionados imóveis os trabalhadores de empresas de tecnologia que gravitam em torno de Silicon Valley. Sem eles, os restaurantes de comida feita, as lojas de conveniência e os bares e cafés começaram a fechar portas porque a correria simplesmente desapareceu. Sobraram as casas vazias, os restaurantes fechados e os sem-abrigo cujo número não para de aumentar. Ninguém mais tem dinheiro para viver na cidade que durante anos foi sonho de qualquer empreendedor, e São Francisco é hoje mais eco do que bulício.
As sedes das gigantes tecnológicas como a Meta (dona do Facebook), a Google ou a Apple são demasiado longe do centro para terem impacto na vida da cidade, e é muito provável que não voltem a aproximar-se. Com parte do seu staff em trabalho remoto, porquê ter de pagar o preço de os querer onde eles não querem estar? E já para não falar dos despedimentos em massa que tem havido nas tecnológicas e que tem tido um efeito devastador no ecossistema económico que estas alimentam.
Deste lado do Atlântico, em Londres, a notícia de que o HSBC vai abandonar a sua sede de há 20 anos situada na exclusiva região de Canary Wharf está também a fazer soar os alarmes. O gigante financeiro, que até já pensou mudar os seus escritórios para Hong Kong, garantiu recentemente que fica em terras de Sua Majestade, mas não mais num edifício que passa cerca de 50% do tempo vazio. E que representou, em 2002, um investimento superior a mil milhões de euros só para conseguir centralizar todos os seus recursos num mesmo edifício.
O espaço já se tinha tornado demasiado grande porque os profissionais viajavam muito, mas agora tornou-se ainda mais evidente com as políticas de teletrabalho que permitem uma jornada híbrida. Mas neste caso, e aproveitando que muitas empresas já fecharam os seus escritórios no centro da capital do Reino Unido, o HSBC decidiu mudar-se para um lugar mais pequeno, mas mais central. Até porque a instituição já tinha dado conta de que queria cortar 40% dos seus custos com imobiliário.
A saída do centro financeiro de Canary Wharf – não tão perto do centro da cidade – não é um movimento inédito. Os advogados da Clifford Chance já o fizeram recentemente, e mudaram-se para a cidade, e o Société Générale decidiu alugar parte dos andares do edifício que ocupa, porque parte dos seus trabalhadores estão em regime de teletrabalho.
Escolher escritórios mais pequenos e mais centrais tem efeitos reais na prossecução dos objetivos de atingir a neutralidade carbónica, reduz os custos para as empresas – e para os trabalhadores, que têm melhores acessos públicos – e permite uma melhor utilização do tempo de todos os agentes. Claro que o facto 9% dos edifícios empresariais estarem vazios, em Londres, ajuda nestas contas, porque baixa o preço por metro quadrado que as empresas terão de pagar. E isto dá uma ajuda real à dinamização da economia urbana.
Em Lisboa também se têm sentido algumas movimentações, se bem que no sentido contrário. O Novo Banco anunciou há uns meses que abandonaria a sua histórica sede na Avenida da Liberdade e vai juntar-se ao Millennium BCP, com um edifício no Tagus Park, onde estão empresas como a PHC, o ISQ e até algumas relevantes publicações nacionais, como o Jornal Económico e, em breve a EXAME e a VISÃO. No mesmo sentido, a Accenture, que durante 30 anos teve os seus escritórios numa das Torres das Amoreiras, mudou a sua sede para a zona ribeirinha de Lisboa, onde estão também sociedades de advogados como a Abreu, a Vieira de Almeida ou agências de publicidade como a Bar Ogilvy.
Na capital portuguesa ainda são valorizados os lugares de estacionamento – são sempre apresentados como benefícios quando as novas sedes são reveladas – enquanto em Londres ou em São Francisco as empresas tentam resolver os acessos com recurso a transportes públicos ou soluções coletivas das próprias empresas. A opção nacional é relativamente contraditória quando falam também em edifícios mais sustentáveis, mas quem sabe com os anos conseguiremos ter a zona ribeirinha lisboeta – ou os polos empresariais – servidos por melhores redes de transportes, que permitam aos novos modelos de trabalho tornarem-se ainda mais eficientes.
Certo é que a saída – ou a entrada, como no Reino Unido – de empresas dos centros das cidades tem um fortíssimo impacto numa série de negócios que se alimentam da vida que já não é possível ter desde que os preços do imobiliário se tornaram incomportáveis para quem, como revela esta terça-feira o jornal Público, já gasta cerca de 40% do seu rendimento em rendas de casa. Depois de a pandemia ter alterado a forma como olhamos o trabalho, serão as empresas a definir a vida no centro das cidades?