O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem vindo a alertar para os riscos decorrentes da evolução continuadamente em alta que se tem vindo a registar nos mercados financeiros globais e da postura expansionista dos bancos centrais das economias mais desenvolvidas nos últimos anos. Na verdade, a longa tendência de valorização de muitos activos e a política monetária fortemente expansionista que foi seguida como resposta à forte e prolongada recessão que se seguiu à crise financeira de 2007/2008, em conjugação com o ainda excessivo endividamento de certas economias e a debilidade que os sistemas bancários de muitos países ainda demonstram, são, conjugadamente, factores que, em determinadas combinações, poderão criar uma nova crise de repercussões difíceis de antecipar na sua magnitude e duração. Como se referiu nesta coluna em artigo anterior, as baixíssimas remunerações dos activos menos arriscados têm levado muitos investidores, incluindo bancos, a aceitar combinações de risco e de rendibilidade piores do que aquilo que aceitariam em tempos “mais normais”, em que poderiam obter as mesmas remunerações com significativamente menos risco. Por outro lado, nalgumas partes importantes do globo, os bancos ainda lidam com as consequências da crise da última década, com importantes carteiras de crédito subperforming e malparado, com forte impacto na rendibilidade dos seus capitais, num momento em que as respectivas margens financeiras são afectadas pelos níveis historicamente baixos de taxas de juro.
Apesar desta espessa nuvem que a qualquer momento pode aparecer e condicionar o período de bonança em que temos vivido, vários autores têm enfatizado os aspectos positivos que hoje se manifestam em algumas das economias mais afectadas pelas consequências da crise financeira de 2007/2008 e da posterior crise de dívida pública que, nomeadamente na periferia da Zona Euro, assumiu proporções historicamente relevantes. Ainda num artigo recente, Daniel Gros referiu ser sua opinião que, a ocorrer nos próximos anos uma crise de magnitude inicial semelhante à do final da década passada, os efeitos na periferia da Zona Euro tenderiam a ser menos severos. Quando as consequências da crise anterior se fizeram sentir nas economias como as de Portugal ou a da Grécia, estas encontravam-se fortemente endividadas, quer no sector público quer no sector privado, num contexto em que muito do (fraco) crescimento registado em anos anteriores se tinha devido à expansão dos consumos público e privado. Hoje, as economias periféricas, e em concreto a de Portugal, apresentam um padrão de crescimento mais saudável, assente em larga medida no crescimento das exportações e na consequente melhoria da sua posição externa. Se, quando a economia internacional – e, nomeadamente, a europeia – entrar num ciclo recessivo, pudermos ter registado uma sequência de anos de crescimento assente no progresso das exportações e do investimento, as consequências directas da crise tenderão a ser menos gravosas do que foram entre 2010 e 2013.
Porém, estas economias periféricas vão manter por muito tempo níveis excessivos de dívida pública e privada. Mesmo num cenário de crescimento da Zona Euro, caso o crescimento actual produza rapidamente inflação relevante e a política monetária se altere depressa, as repercussões não deixarão de poder ser muito significativamente negativas. Basta pensar no impacto sobre as contas de exploração de muitas empresas ou o saldo global das contas públicas, no caso de uma rápida retirada dos actuais estímulos e de uma subida rápida dos juros. É assim fundamental que tal possa decorrer mais lentamente, para que os balanços entretanto se robusteçam e as contas de exploração sustenham melhor os aumentos de juros. Com sorte, as alterações ao actual mix de políticas poderão ser graduais, e Portugal poderá enfrentar qualquer futuro abrandamento ou mesmo recessão num contexto menos desfavorável. Todavia, este é apenas dos de muitos cenários possíveis. O nível de risco que enfrentamos e que muitos queremos ignorar é, na verdade, elevado e até perigoso.
De facto, basta pensar que uma economia como a portuguesa será fortemente abalada no caso de os vários riscos, a que anteriormente aludimos, se materializarem num horizonte não muito longínquo. Basta pensar na enorme alavancagem que persiste nos balanços das empresas e de muitas famílias, na enorme dívida pública de 250 mil milhões de euros e no ponto em que, após enormes esforços, muitos dos nossos bancos ainda se encontram. Por outro lado, a gestão económica dos últimos anos merece quase unânime elogio, em Portugal e na Europa, e permitiu progressos nalgumas áreas, mas quebrou e até inverteu nalguns sectores o esforço de reforma estrutural que, com custos a curto prazo, deveria conceder maior resiliência face a futuros choques externos. Portugal corre contra o tempo e, quanto mais ignorarmos colectivamente que a última crise foi apenas a mais recente e não a final, menos nos prepararemos para o embate que, mais tarde ou mais cedo, poderá ocorrer. Como dizem os anglo-saxões, encontramo-nos num sweet spot: se sairmos dele depressa demais (e nós não temos controlo sobre o timing) ou se não completarmos o trabalho de casa que nos falta, corremos o sério risco de reversão, não de medidas, mas do progresso dos últimos anos. A consciência de que o nível de risco permanece elevado deveria ser catalisadora do progresso. Será que aprendemos?