O mesmo espaço, diferente Marcelo Rebelo de Sousa. Na fase final do seu longo e fulgurante percurso como comentador político televisivo, que o tornou Presidente sem precisar de partidos para nada (aliás até com a declarada oposição inicial do líder do seu próprio partido, Passos Coelho), Marcelo referiu que só havia um “comentador” em exercício mais antigo do que ele – o autor destas linhas. Eu nunca tal me considerei. Mas, de facto, logo a seguir ao 25 de Abril, estando na direção do Diário de Notícias, na RTP passei a com frequência falar sobre (ou, admito, comentar) a então riquíssima atualidade política e social: entre o entusiasmo, até deslumbramento, da liberdade recém-conquistada, e, após 48 anos de ditadura, a natural complexidade/confusão, com inevitáveis excessos, dos primeiros passos de uma democracia à procura do seu próprio caminho. Depois, estando na própria direção de informação da RTP, claro que isso se manteve ou ampliou.
Neste momento, de largo desinteresse e desencanto face à realidade política, quando existe uma multidão de comentadores em múltiplos meios, incluindo vários canais televisivos, será difícil para quem não viveu aquela época imaginar a importância e a influência dessa intervenção na única televisão existente, cujo telejornal era visto por milhões de portugueses expectantes. E poderia dar o meu testemunho a esse respeito, ou contar algumas “histórias” saborosas dessa época. Poderia? Poderei. Porque para isso este espaço deixou de ser “Opinião”, para passar a ser “Bloco de notas”. O que pressupõe, permite, uma maior liberdade e diversificação de temas, de par, quando for caso disso, uma sua abordagem mais leve e impressiva.
Como ia dizendo… Sem prejuízo do atrás sublinhado, claro que aqui continuará a haver “opiniões”. Em especial sobre assuntos atuais das áreas que sempre mais me (pre)ocuparam. Entre estas a da Justiça, e nela, recentemente, a dos poderes, deveres e funcionamento do Ministério Público. Que está na ordem do dia, por múltiplas razões, avultando agora a da escolha do seu principal responsável. Escrevi uma vez ser mais fácil arranjar um bom PR do que um bom PGR. E continuo a achar que talvez seja assim… Sendo certo que ao longo do tempo a qualidade e o sucesso no exercício das funções de PGR variaram muito, desde o primeiro em democracia, Arala Chaves, um excelente magistrado, até à atual, Lucília Gago, um desastre. Sendo Cunha Rodrigues, entre todos, o juridicamente mais abalizado – como demonstrou também noutros cargos, inclusive internacionais –, o que mais teorizou/marcou a instituição e mais tempo ocupou o cargo.
Assim, imagino a dificuldade do Governo em apresentar um nome ao Presidente, ou melhor, como se impõe, articular/consensualizar com ele quem deve ser o(a) novo(a) PGR. Os subscritores iniciais do manifesto dos 50 apresentaram um documento com o qual estou, no essencial, de acordo. A dificuldade, porém, é em concreto encontrar quem preencha os requisitos desejáveis. E parecendo-me bem, em princípio, que o novo nº 1 do MP não seja da “casa” (exceto se houver uma Maria José Fernandes disponível), pela necessidade de combater o corporativismo aí reinante e certas práticas recentes, não se podem esquecer as dificuldades que quem lá chegar de fora terá e o que aconteceu com Pinto Monteiro…
Conversa fiada e repetida É, em volta do Orçamento do Estado (OE), “negociações” e adjacências: declarações do PR e do Governo, sobretudo do primeiro-ministro, dos vários partidos e seus dirigentes, em particular o líder do PS, etc. – e, depois, da generalidade da tal multidão de comentadores. E um comunicado do Governo a tal propósito, no domingo! E uma reunião, não secreta mas discreta, com o Chega! E… e… já não se aguenta. Mostrando o que falta de fecundo diálogo político, maturidade democrática, às vezes simples bom senso. Num país com a felicidade de não ter uma série de problemas graves, de raiz, que muitos outros têm, e de reunir uma série de condições favoráveis a uma vida melhor para o seu povo, creio que se impõe mudar certa prática política, procurando para esse efeito consensos que não parecem impossíveis. Mudar não para que tudo fique na mesma, mas mudar para… mudar.
À MARGEM
Futuro – mas qual?
Olha-se para o estado do mundo e é aterrador. Só no Médio Oriente, mais de 40 mil mortos inocentes e uma destruição completa de Gaza. E agora o Líbano: pelo menos 558 mortos e 1 835 feridos só num dia, vítimas também de bombardeamentos de Israel. Veem–se as imagens das carnificinas, incluindo de crianças, de todo o horroroso sofrimento causado pelo regime de Netanyahu a milhões de pessoas – e fica-se de coração despedaçado. Lembra-se Netanyahu aplaudido de pé no Congresso dos EUA e teme-se pelo nosso futuro. Guterres consegue aprovar na ONU um excelente Pacto para o Futuro. Mas que poder têm Guterres e a própria ONU?
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