1. As eleições europeias do próximo domingo são obviamente importantes, para a Europa e para o nosso país. Espero que a afluência às urnas seja significativa e sublinho o esforço feito para a facilitar; parece-me que a campanha, em termos de esclarecimento, esteve um pouco acima da mediania habitual; gostaria que os partidos mais pequenos mantivessem a representação parlamentar; suponho que os resultados não andarão muito longe dos das legislativas, com eventuais oscilações em função das figuras dos cabeças de lista: por exemplo, talvez o Livre e o Chega desçam um pouco, a IL e o BE subam um pouco.
De resto, por exemplo, surpreendeu-me Francisco Assis aparecer de menos na campanha do PS, e Pedro Nunes se calhar aparecer de mais; enquanto a escolha de Sebastião Bugalho para cabeça de lista da AD evidencia o que representa e para que serve hoje muito do chamado “comentário político” televisivo. E poderia, claro, dizer muito mais sobre as europeias.
2. Opto, porém, por falar antes de um tema mais de fundo, o da situação da Justiça. Desde sempre um problema gravíssimo do País, e aquele que é mais complexo resolver, até porque a bondade ou não das leis em grande medida depende daqueles a quem compete aplicá-las. Domínio em que já muito se debateu, mas pouco se tem feito, a situação em geral tem até piorado, com magistrados a perderem prestígio e alguns do Ministério Público (MP) contaminando a imagem de toda a instituição. Porque responsáveis por decisões e práticas que entendo configurarem violações de direitos fundamentais dos cidadãos, afetando o Estado de Direito e o País.
Assim, considero imperativo tudo fazer para ultrapassar, resolver, os múltiplos males de que padece a Justiça. Mesmo com inevitáveis imperfeições e sem a celeridade desejável, uma Justiça que seja justa é uma absoluta prioridade democrática e nacional.
3. Se volto agora ao tema da Justiça, que há décadas me ocupa e preocupa, é por haver sido tornado público um documento que sintetiza bem a situação existente, sustenta princípios certos, preconiza medidas e soluções adequadas. Documento que, pelo número de conhecidos cidadãos de muitas diversificadas áreas ideológicas e profissionais que o subscrevem, demonstra um amplíssimo consenso sobre o que expõe e defende.
Impõem-se, pois, iniciativas para concretizar o que urge fazer. E como é muita coisa, não se deve juntar tudo para depois dar em nada ‒ ou arrastar-se indefinidamente, como os grandes processos… A minha sugestão é de imediato começar pelo que nos últimos tempos tem causado maiores e mais graves problemas e conflitos: o MP.
Exige-se manter a sua autonomia, mas uma autonomia responsável, em que cada um dos seus membros não possa fazer o que lhe passa pela cabeça, sem olhar às consequências e com total impunidade. A este propósito, no referido documento escreve-se: “Magistrados do Ministério Público, sem qualquer mandato constitucional, têm, na prática, um poder sem controlo, quer externa, quer internamente, desde logo, pela assumida desresponsabilização da Procuradora-Geral da República pelas investigações.”
O MP acusar e o arguido, em julgamento, ser absolvido, é normal, só por si nada diz em seu desabono. E sendo os arguidos titulares de órgãos de soberania, o que importa é o que se prova ou não: uma qualquer dúvida conduz à absolvição penal – é o princípio in dubio pro reo –, não exclui necessariamente o juízo de censura política e ética que deve impedir alguém de continuar no poder ou com responsabilidades políticas.
O que o MP não pode é lançar suspeitas sobre um titular de órgão de soberania sem nenhum facto concreto que o justifique. E o caso de António Costa é gravíssimo e paradigmático: anunciou estar a ser investigado por em escutas telefónicas alguns escutados dizerem que lhe iriam falar (não se sabe se foram ou não) para ele decidir sobre matéria afinal da sua competência, de interesse para o País, e relativamente à qual poderia ser indispensável produzir/alterar algumas normas, como sucedeu com a instalação em Portugal da Autoeuropa. Costa demitiu-se, só depois de muito o pedir, ao fim de meses, foi ouvido e não constituído arguido – mas “a investigação não está concluída”, kafkianamente se mantendo, para os efeitos convenientes, a suspeição…