Fui a uma cerimónia fúnebre e, pela primeira vez, assisti a uma cremação. Estamos na Quaresma e eu, cristã praticante, comecei a ficar perturbada com isto.
Nem consigo ver os filmes que habitualmente passam na tv sobre a Paixão de Cristo. Acordo de noite a pensar como vai ser comigo, só quando era miúda é que isso me acontecia e depois foi passando, já eu era adulta.
Estou no meio da vida e gosto daquela que tenho, mas ando angustiada e quero saber o que posso fazer para ultrapassar o medo da morte.
A ideia da morte é perturbadora para o ser humano. O contacto com um velório, mesmo o de alguém desconhecido, torna-nos mais conscientes da nossa própria finitude e leva-nos a questionar a existência. Se me permite algum humor, que é próprio dos mortais, o fantasma da morte só “aparece” a quem está vivo, pois quem está morto não pode sofrer.
Viver envolve riscos (ganhos e perdas). Por vezes, ‘adormecemos’ à sombra das nossas rotinas de conforto, defendendo-nos, assim, de decisões pessoais que até desejamos, mas não nos atrevemos a avançar, pelo medo das consequências. Esses “fantasmas” despertam, com maior expressão, no meio da vida, altura de balanços, como é, também, a Quaresma.
A angústia existencial, o sentido da vida, a forma como a temos atravessado: “desertos” que já foram os nossos, um dia, emergem naturalmente ou são desencadeados ‘acidentalmente’, como quando alguém parte. “Recorda-te que és pó, homem, e ao pó hás de voltar”. O apelo da conversão a Deus parece entrar em conflito com o conceito de significância (ou falta dela), no momento presente e deve refletir acerca disso.
Que sentimentos, pensamentos e emoções lhe evocam os despertares noturnos? Em que lhe parecem similares (os que tinha enquanto jovem e os que refere agora, já que faz essa associação)?
Explorar este território apresenta-lhe um desafio: lidar com o desconforto (e, talvez, a sensação de vazio que lhe afeta o sono), enquanto está desperta, ou seja, de modo intencional e consciente (para libertar essa “carga mental” do período nocturno). Identifique, na sua vida, aquilo que lhe traz insatisfação ou que pode melhorar no seu quotidiano e dar-lhe mais “vida” (sentido, graça, alegria).
Clara Soares, jornalista, psicóloga e autora do blog Psicologia Clara