O mote veio de uma amiga francesa que preside a uma instituição de defesa de crianças, parceira do IAC na Missing Children Europe, que nos seus votos de Ano-Novo desejava que este fosse um ano em que a luta contra os maus tratos na infância fosse a grande causa nacional. Não estranhei, pois em França, segundo dados apresentados pela Ministra da Família, em Novembro passado, há um número assustador de crianças que morrem por ano, por violências maioritariamente perpetradas pela sua própria família. Pensei logo que poderíamos alargar essa ideia a toda a Europa, pois seria uma excelente forma de comemorar um quarto de século de Convenção. Soube depois que Boris CyrulniK estava entre os incentivadores da ideia o que me entusiasmou ainda mais.
A diminuição exponencial de crianças na Europa vem tornar ainda mais chocante a indiferença perante as sevícias e Portugal com uma taxa perigosamente diminuída de natalidade, precisa muito de cuidar bem das suas crianças sob pena de permanecer em risco a sua própria continuidade como nação. O respeito pelos direitos e a dignidade das crianças são valores essenciais numa sociedade verdadeiramente democrática, mas com estes gravíssimos problemas demográficos, no nosso País, são questões de sobrevivência.
No ano passado, em Fevereiro, foi aprovada pela Comissão Europeia a Recomendação “Investindo nas Crianças, para quebrar o ciclo da desigualdade”. Documento que proclamou princípios fundamentais reconhecidos nos tratados internacionais de defesa da Criança e que procurou abordar um conjunto de temas relevantes, desde a pobreza infantil ao acesso a recursos adequados, desde a saúde e a educação ao apoio familiar, desde a igualdade de oportunidades ao direito de participação.
Mas claro, todos temos a noção de que não se tem caminhado nesse sentido, particularmente nos Países sob assistência financeira.
Aqui, as desigualdades têm-se agravado. É o que resulta de uma série de dados e estudos, que não podemos ignorar. O recente relatório sobre riscos globais que vai ser discutido no Forum Económico Mundial, em Davos, reforça a observação sobre as cada vez mais profundas desigualdades entre Ricos e Pobres e refere que o seu agravamento é o maior risco da actualidade, porque atenta contra a coesão dos povos.
O excelente livro de Stiglitz, economista que integrou a administração Clinton, trata desta tragédia que a forma de organização dos Estados tornou estrutural, e analisa as consequências dramáticas do fosso progressivamente maior que afasta os Países e as comunidades e torna uns credores e outros devedores, expropriando e confiscando os bens destes para entregar àqueles outros, em nome de ajustamentos, ditos necessários. Aos pobres tradicionais juntam-se agora as novas vítimas do desemprego, das insolvências, dos cortes das pensões, que ficaram sem capacidade para cumprir as prestações dos créditos das casas ou dos carros, as propinas da Universidade dos filhos ou as mensalidades do infantário.
O inquietante texto de Concha Caballero sobre “o dia de 2014 em que acabou a crise”, interpela-nos com fundamentos que reconhecemos como reais, embora nos recusemos a acreditar. Mas, se ficamos seriamente preocupados, apesar de sabermos da diminuição a taxa de desemprego e do aumento das exportações, é justamente porque ele contém apreciações que tememos. Diz ela que haverá um dia em 2014 em que nos dirão que a crise acabou, mas que nessa altura, recuámos 30 anos em direitos e em bem-estar, que nesse dia de 2014, 30% das crianças deixaram de ter acesso à educação.
Malala, que lutou tanto pelo Direito à Educação, lembrou na ONU que as palavras têm muita força. É verdade, mas é mesmo por isso que não podemos silenciar as injustiças.
E, neste ano de 2014, em que nos vão anunciar o fim da crise, há um facto importante a celebrar: a Convenção sobre os Direitos da Criança completa 25 anos. Por isso, não podemos conformar-nos com as desigualdades e com o empobrecimento.
A Convenção é o Tratado internacional cujas normas foram muito inovadoras porque olharam a criança como um ser humano igual em dignidade e em direitos. Estive a ler um magnífico livro do Prof. Reis Monteiro “Os Direitos da Criança: era uma vez…” e este especialista salienta a forma holística como são tratados os direitos, numa Convenção, a que chama a Magna Carta dos Direitos da Criança, que é a mais consensual do mundo, pelo que temos o dever de tirar partido disso.
Esta semana, vai ter lugar em Genebra a sessão para apresentação dos 3º e 4º relatórios de Portugal perante o Comité dos Direitos da Criança. Creio que seria bom noticiar quer o conteúdo dos relatórios, quer a sessão, quer depois as recomendações do Comité. Aproveitar o momento para divulgar os Direitos da Criança, a Convenção, os seus Protocolos Facultativos, todos da maior importância, sobre os conflitos armados, sobre a venda e a exploração sexual, e este último, que entrará em vigor em Abril, sobre a criação de um sistema procedimental de queixas, que vai permitir reforçar o direito da criança a ser ouvida, é desejável, pois todos os pretextos são poucos para dar a conhecer instrumentos tão relevantes de direitos humanos.
O Instituto de Apoio à Criança tem pugnado desde a sua fundação pelo exercício deste direito, que valoriza a criança e a dignifica e que é o mais básico dentro dos Direitos de participação.
É neste contexto que no ano de 2014, o IAC vai apelar à celebração condigna dos 25 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança. Decerto não haverá forma mais bela de celebrar Abril, do que com os olhos postos no futuro, lembrar que a criança tem o direito à sua integridade pessoal, que tem o direito a ser respeitada, que tem o direito à sua dignidade, que se for vítima de violência, tem o direito à sua recuperação física e psicológica, que tem o direito à preservação e ao reconhecimento das suas relações afectivas profundas, que tem o direito à palavra!