Começo por dizer que me vejo como uma pessoa de mente aberta e sempre me incomodaram os comentários negativos sobre a vida privada de cada um. Tenho amigos com diferentes orientações sexuais, mas nesse aspeto vejo-me como heterossexual. As minhas certezas caíram por terra quando reencontrei uma antiga colega de faculdade.
No jantar organizado pelo Facebook, ela contou-me que, desde o seu divórcio, era uma pessoa mais feliz. Na altura, não compreendi o alcance da afirmação, mas como a achava uma pessoa reservada, não perguntei porquê. Trocámos contactos, voltamos a sair juntas e tornámo-nos amigas. Apresentei-a a algumas pessoas do meu círculo de amigos e agradava-me ouvi-la dizer que éramos duas trintonas interessantes e prontas para as curvas.
As nossas conversas tornaram-se mais intensas e a vontade crescente de estar com ela também. Descobri que o sentimento era recíproco. Revelou-me que está apaixonada por mim e que já há algum tempo sabe que é lésbica. Fiquei surpreendida por nunca ter suspeitado disso. A verdade é que ela me faz sentir coisas que nunca senti por outra mulher e em tudo parecidas com o que eu poderia sentir com um homem.
Acho que estou a viver um romance, embora secreto. Isso perturba-me e não sei como lidar com a situação. Um dos meus amigos diz que ando diferente e há dias, meio a brincar, perguntou-me se eu tinha passado para o lado do inimigo. Fiquei confusa e defendi-me: “Porquê? Queres andar com ela?”. Mas senti-me constrangida, até porque eu mesma não sei responder. Pode ajudar-me?
Alexandra N., Almada
A questão que apresenta é particularmente relevante e legítima. Sentir atração por alguém com uma orientação sexual que se afigura como dissonante da sua, sobretudo na idade adulta, pode ser desconcertante e levá-la a questionar a sua identidade sexual (o que pensa sobre si própria e o desejo em relação aos outros, independentemente da orientação sexual deles).
Um estudo recente publicado no The Archives of Sexual Behavior concluiu que experiências como a sua se revelam tanto mais perturbadoras quanto maior for a intensidade dos comportamentos e sentimentos envolvidos (fantasias, sexo, paixão ou amor). O desafio está no modo como cada um dos intervenientes encara as possíveis consequências do sucedido no seu trajeto de vida.
A questão não passa tanto pelo ter que definir-se como bi ou não, nesta fase. O facto de sentir-se sobretudo atraída por pessoas de sexo diferente pode justificar a reação defensiva perante o seu amigo, apesar de, como diz, ter uma mente aberta. É mais provável que esteja com medo de viver a sua “verdade” aqui e agora, em virtude das possíveis consequências. Com efeito, as decisões tomadas no plano íntimo são influenciadas, mesmo que nem sempre se tenha disso consciência, pelas crenças pessoais e a ideia que se tem acerca de como se é visto, aos olhos da família e dos grupos (imagem, estatuto, valores).
Equacione se a relação tem pernas para andar (pelo que afirma, não parece estar a “compensar” um desgosto amoroso ou uma carência afetiva às expensas de alguém, antes a viver um romance) e seja clara acerca disso com a pessoa em causa. Talvez ajude saber que a fluidez em matéria de desejo é hoje reconhecida pelos estudos sobre a química cerebral em matéria de desejo (e mais comum no sexo feminino), dando razão à polémica pesquisa de Alfred Kinsey, no século passado. Os resultados do mega inquérito mostraram que a sexualidade está longe de ser linear e que somos menos normativos do que se pensa ou faz crer.