Por iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, decorreu, nesta quinta-feira, uma operação que a autarquia anunciou ter como objetivo “resolver a crescente concentração de pessoas em situação de sem abrigo”, no jardim da Igreja dos Anjos, na freguesia de Arroios, em Lisboa. Por volta das 08h30, um forte contingente da PSP e de técnicos marcou presença no local, procurando, de acordo com a Câmara, “encaminhar e dar resposta a todas as pessoas vulneráveis que ali se encontram”. A ação contou ainda com a participação de elementos da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), da Junta de Freguesia de Arroios e de várias instituições de caráter social.
O aparato criou imediato desconforto junto dos imigrantes. Segundo apurou a VISÃO, em causa estão suspeitas de que a operação seja apenas “uma tentativa para expulsar” imigrantes oriundos do Senegal e da Gâmbia – a maioria, atualmente, naquela zona –, que se encontram indocumentados e que recentemente viram os seus processos de pedido de asilo serem recusados pelo Estado português.
À VISÃO, Mariana Carneiro, membro da SOS Racismo e da Solidariedade Imigrante (SOLIM), justifica as suspeitas por “existirem precedentes”. “Em janeiro de 2022, “a Câmara Municipal de Lisboa ‘convidou’ todas as pessoas em situação de sem-abrigo para se abrigarem num pavilhão na Graça, devido ao frio, e a zona foi, imediatamente, tapada com grades”, acusa. Já no passado mês de fevereiro, Mariana Carneiro afirma que houve “nova tentativa de fechar o jardim da Igreja dos Anjos”, desta vez por iniciativa da Junta de Freguesia de Arroios, situação que, diz, “apenas foi travada pela mobilização de ativistas dos direitos humanos”.
A socióloga lamenta “estes processos” que, garante, “têm sido recorrentes nesta freguesia”. Mariana Carneiro acusa o Executivo de Carlos Moedas e de Madalena Natividade (presidente da Junta de Freguesia de Arroios) de terem “um comportamento desumano para com os imigrantes”. “Sabemos que as autarquias querem, em breve, reabilitar esta zona e que, por isso, há uma tentativa de retirar estas pessoas daqui.
A ativista dos diretos humanos recorda que “estas pessoas são precisas no País” – como mostrou a VISÃO, na sua edição de 1 de fevereiro, numa reportagem especial –, e pede para que o Estado português “resolva o problema destas pessoas, dando-lhes direitos”. “Falamos de pessoas que não podem voltar para o seu País de origem, que têm fome, que querem viver em segurança em Portugal, que querem trabalhar, mas que, diariamente, continuam a ser intimidadas por estas ações. Estas pessoas estão cansadas, querem apenas viver com dignidade e em paz”, refere Mariana Carneiro.
Neste momento, vivem em tendas precárias, no jardim da Igreja dos Anjos e ruas limítrofes, cerca de 150 pessoas. A maioria são nacionais do Senegal e da Gâmbia, mas também há timorenses, brasileiros e até portugueses. Muitos aguardam (e desesperam) por resolver as suas situações junto da AIMA.
PSP identifica quatro timorenses “vítimas de tráfico humano”
No âmbito da operação desta quinta-feira, quatro cidadãos timorenses foram identificados pela PSP como “vítimas de tráfico humano”, confirmou, à VISÃO, fonte policial.
A situação terá sido apurada durante o processo de identificação dos imigrantes. Perante o relato destes quatro timorenses, a PSP decidiu registar queixa e vai agora encaminhar o caso para o Ministério Público (MP).
As vítimas terão chegado a Portugal com a promessa de um contrato de trabalho no setor da agricultura, mas acabariam sem trabalho, alojamento ou qualquer outro tipo de apoio. A situação precária levou-os a se fixarem em Lisboa, estando agora a dormir em tendas na zona dos Anjos. À polícia, terão descrito pessoas com quem se cruzaram e episódios que já terão vivido em Portugal.