“Um em cada oito adultos usa antidepressivos, embora nunca tenhamos sido mais saudáveis, mais abastados ou mais ricos do que em qualquer outro momento da história”. Anders Hansen é psiquiatra e, no seu mais recente livro, “Por que nos sentimos mal quando tudo corre bem?”, aborda uma perspetiva neurobiológica sobre a felicidade.
Em entrevista à VISÃO, o autor explica que as duas coisas mais importantes que podemos aprender sobre o cérebro é que “este não mudou durante os últimos 10 000 anos e “o cérebro nunca evoluiu para ser feliz”. Mas não estamos condenados a sentirmo-nos mal.
O capítulo “A armadilha da felicidade” para ler aqui

Começa o seu livro com a frase “Antes do cérebro, o universo era um sítio livre de dor e de ansiedade”. Quer explicar porque é que esta frase significa tanto para si?
Porque a ansiedade e a depressão parecem algo que nos atinge, que vem de fora, mas na verdade são criadas pelo cérebro. Não há uma estrada/via separada para a felicidade, alegria, ansiedade ou raiva que não passe pelo cérebro Se quisermos entender o humor, o bem-estar, os sentimentos – entender a nós mesmos – temos de começar pelo cérebro.
Porque é que a perspetiva deste livro é diferente de outras?
O livro analisa questões sobre o bem-estar humano e a saúde mental da perspetiva da biologia e do cérebro. Não é apenas como o cérebro funciona, mas porque é que funciona. Muitos dos leitores disseram que se compreenderam melhor a si mesmos ao ler o livro e que se tornaram mais gentis consigo mesmos. E isso me deixou muito feliz, acho que é a melhor crítica que se pode conseguir.
Concorda que estamos atualmente a enfrentar uma crise de saúde mental?
Sim, e esta é uma crise extremamente importante, uma vez que o bem-estar e a saúde mental são, no final das contas, o que mais importa para nós. A economia mais do que duplicou nos últimos 25 anos. Mas a saúde mental das pessoas não melhorou, aliás, para os adolescentes piorou.
Portanto, devemos dar um passo e perguntar: o que estamos a fazer de errado? Acho que poderíamos sentir-nos muito melhor se soubéssemos como os sentimentos e o humor são criados em nós mesmos, e é isso mesmo que quero mostrar.
A maior farsa da natureza é fazer-nos acreditar que se apenas seguirmos os nossos instintos e fizermos o que nos faz sentir bem, seremos felizes
Diz que os humanos não estão biologicamente preparados para a felicidade…
A principal função do cérebro não é ser feliz, inteligente ou criativo. É simplesmente manter-nos vivos. Metade de todos os humanos morreram antes de se tornarem adolescentes durante 99,9% da nossa história. Não morreram de doenças cardiovasculares ou de cancro – o que nos mata hoje –, mas de infeções, fome, homicídios e acidentes.
Como somos todos a última geração numa linha ininterrupta de sobreviventes, temos mecanismos de defesa contra infeções, fome, homicídios e acidentes. Um desses mecanismos é ter consciência que o perigo está em todo o lado e preparar-se para o pior. Ver o perigo dessa forma é o que hoje chamamos de ansiedade.
Ter ansiedade não quer dizer que tem um cérebro fraco, significa que tem um cérebro forte que faz tudo o que pode para mantê-lo vivo. Nós, psiquiatras, sabemos o quão importante pode ser esta reformulação: aqueles que lidam com muita ansiedade deixam de se ver como algo estragado, partido ou como vítima.
O que é, para si, o conceito de felicidade?
A definição de felicidade usada na pesquisa psiquiátrica é estar satisfeito com a rumo da vida a longo prazo. Se concorda com essa definição – o que eu pessoalmente concordo – a ciência deixa claro que a coisa mais importante que pode fazer para ser feliz é: relações, relações e relações.
Isto não é surpreendente, uma vez que os humanos são uma espécie ultrassocial. Não porque seja divertido ter amigos por perto, mas porque ter amigos salvou a vida dos nossos antepassados. Estar isolado do grupo significava morte certa para quase todas as gerações anteriores de humanos. É por isso que a rejeição social dói tanto.
A coisa mais importante que pode fazer para ser feliz é: relações, relações e relações
Além disso, as nossas necessidades sociais incrivelmente fortes evoluíram durante milhões de anos quando existiam relações cara a cara e não podem ser substituídas por um ecrã.
Daí a grande preocupação com as redes sociais.
As redes sociais não são só más, mas foram projetadas para atrair o máximo da nossa atenção. E quando passamos mais de 5 a 6 horas por dia em frente aos ecrãs, mais da metade nas redes sociais, não fazemos as coisas que são importantes para o nosso bem-estar: encontros na vida real, exercício e dormir.
E quando nos expomos demasiado às fachadas e às influências de outras pessoas que têm uma vida “perfeita”, sentimo-nos inúteis. Sentimos que não somos bons o suficiente e não fazemos parte do grupo. Isto parece ser especialmente prejudicial para as adolescentes.
Então, por que o cérebro procura as redes sociais se, no final, isso nos faz sentir mal? Porque o cérebro não procura a felicidade, ele tenta encontrar o que é bom no momento e isso é uma armadilha. A maior farsa da natureza é fazer-nos acreditar que se apenas seguirmos os nossos instintos e fizermos o que nos faz sentir bem, seremos felizes. Estes instintos ajudaram-nos a sobreviver num mundo perigoso onde os recursos eram escassos, mas não nos fazem felizes num mundo seguro de superabundância, rodeado de redes sociais concebidas para chamar à nossa atenção.
Sendo um homem apaixonado pelo cérebro humano, qual diria que é a maior capacidade deste órgão?
O cérebro é a estrutura mais complexa que conhecemos no universo. O cérebro é capaz de coisas maravilhosas e ao mesmo tempo tem enormes calcanhares de Aquiles. O que é verdadeiramente notável é que o cérebro pode estudar a si mesmo, aprender sobre as suas próprias fragilidades e contorná-las. E, assim, fortalecendo-se. Se isso não é incrivelmente impressionante e precioso, eu pergunto o que é!