O espaço é o infinito e com ele surgem um conjunto de mistérios que estão a ser desvendados. A História do Universo em 100 Estrelas é um livro que ajuda a conhecer algumas das principais estrelas que compõem o céu que ambicionamos conhecer.
Florian Freistetter, autor do livro, é doutorado em Astronomia pela Universidade de Viena. Vencedor do IQ Award pelo seu trabalho como investigador, lançou em 2008 o blogue de astronomia Astrodicticum simplex, um dos blogues científicos mais lidos da Alemanha.
Esta semana apresentamos a estrela de Belém, símbolo de estatuto de um messias.
A História do Universo em 100 Estrelas
Estrela de Belém: Símbolo de estatuto de um messias
A estrela de Belém faz parte do Natal como o vinho quente de má qualidade dos mercados natalícios alemães. Mas, ao contrário desta bebida alcoólica, pelo menos o corpo celeste faz referência à Bíblia. No Evangelho de São Mateus é narrada a história dos três astrólogos que queriam presenciar o nascimento de Jesus, mas que não chegaram ao lugar onde isto aconteceu com a ajuda de um GPS, mas sim guiando-se por uma estrela: «E a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o menino, parou. Ao ver a estrela, sentiram imensa alegria».
Do ponto de vista astronómico, a informação é mais para o pobre, sobretudo porque é a única que se tem da estrela. Aparentemente, em nenhuma outra parte do mundo houve mais alguém que testemunhasse tão extraordinária aparição. Apesar de tudo, ao longo dos séculos foram realizados grandes esforços para examinar a fundo este fenómeno também do ponto de vista científico. A estrela é representada com frequência como um cometa com uma cauda comprida. Esta imagem remete-nos para o pintor italiano Giotto di Bondone, que pintou dessa forma a estrela numa das suas obras no século xiv. Provavelmente, inspirou-se num cometa real: o cometa Halley, que passa perto da Terra de 76 em 76 anos, tendo aparecido no tempo de Giotto e tendo sido possível distingui-lo a olho nu. No entanto, quando Jesus Cristo nasceu não se encontrava perto da Terra, e segundo os conhecimentos que possuímos hoje em dia também não houve outro cometa que passasse pelo nosso planeta na época em questão.
Johannes Kepler opinava que a estrela de Belém era uma supernova, ou seja, uma estrela que terminava a sua vida com uma grande explosão depois de esgotar o combustível no seu interior para realizar a fusão nuclear. Na verdade, se isto acontecer suficientemente perto da Terra é possível ver no céu uma nova estrela durante algum tempo. Inicialmente, embora esta explicação encaixe com aquilo que se conta na Bíblia, uma
supernova deixa rastos que se poderiam observar hoje em dia, mas não se encontraram em lado nenhum os restos de uma explosão estelar que batam certo com uma supernova nesse período de transição.
A teoria segundo a qual a estrela de Belém é simplesmente uma conjunção dos planetas Júpiter e Saturno também é muito popular. Em astronomia é assim que se chama ao fenómeno no qual se veem muito perto entre si dois corpos celestes. Foi o astrónomo vienense Konradin Ferrari d’Occhieppo quem colocou esta hipótese, que, surpreendentemente, tem uma explicação astrológica: Júpiter e Saturno eram os símbolos
astrológicos do povo judaico, e a constelação de Peixes representava a Palestina. Por isso, quando Júpiter e Saturno se reuniram em Peixes, o que aconteceu mais ou menos quando nasceu Jesus Cristo, isso podia interpretar-se como um sinal do nascimento do rei dos Judeus na Palestina.
Ou talvez não. É que a astrologia não é uma ciência e, segundo os seus critérios, os corpos celestes admitem todo o tipo de interpretações. Além do mais, mesmo numa conjunção muito próxima, vê-se claramente que se trata de dois planetas, e não de uma estrela como a descrita na Bíblia. Não há dúvida de que sobretudo os astrólogos se teriam apercebido desta diferença.
Não obstante, o verdadeiro problema de todas as tentativas para descobrir a natureza da estrela de Belém é assumir que realmente existiu. A Bíblia não é um relato verídico e muito menos uma publicação científica, embora siga certas estruturas narrativas, motivos e temas que eram habituais quando foi publicada. De acordo com a teoria possivelmente mais plausível, que se baseia em factos históricos e literários, na verdade a estrela de Belém é uma invenção: foi um símbolo de estatuto cósmico com o qual São Mateus pôde sublinhar a importância do nascimento de Jesus.
Estes motivos e métodos narrativos também não eram pouco comuns na historiografia romana da época. Segundo o historiador romano Suetónio, pelos vistos também o célebre Júlio César, que morreu apenas umas décadas antes do nascimento de Jesus Cristo, tinha a sua própria estrela: um corpo celeste refulgente que se viu no firmamento após a sua morte e foi interpretado como sinal da sua apoteose e posterior natureza divina. E, se César tinha a sua própria estrela, São Mateus pode ter pensado que Jesus também precisava de uma a todo o custo.