O desfasamento entre aquilo que julgamos que sabemos e os nossos verdadeiros conhecimentos pode influenciar negativamente as nossas tomadas de decisão. Estes enviesamentos cognitivos são perigosos, sobretudo, quando falamos de ciência, uma vez que a falta de consciência da própria ignorância pode interferir em comportamentos, pôr em risco políticas públicas e até prejudicar a saúde. “O excesso de confiança surge quando os indivíduos avaliam subjetivamente a sua competência como sendo maior do que os seus conhecimentos objetivos. Investigação anterior demonstrou que erros de calibração na representação interna de competências podem ter consequências graves”, aponta Cristina Mendonça, uma das autoras do novo estudo, publicado em meados de setembro na revista Nature Human Behaviour.
A investigação foi conduzida por uma equipa multidisciplinar de cientistas liderada por Joana Gonçalves-Sá, do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), igualmente à frente do projeto Fake News and Real People (FARE), que usa a partilha de notícias falsas para explicar a forma como pensamos e tomamos decisões. Neste estudo em concreto, os investigadores basearam-se em quatro grandes inquéritos realizados ao longo de 30 anos na Europa e nos EUA e procuraram desenvolver uma nova métrica de confiança que fosse indireta, independente de escalas e aplicável em diversos contextos. A partir destes inquéritos – com o formato “Verdadeiro”, “Falso”, “Não Sei” –, fez-se o rácio entre as respostas incorretas e as respostas “Não sei” como uma métrica do excesso de confiança, isto é, as respostas incorretas poderiam indicar situações em que os inquiridos acreditavam saber a resposta, mas estavam enganados, demonstrando excesso de confiança.
Os resultados permitiram chegar a duas conclusões: Em primeiro lugar, o excesso de confiança tende a crescer mais rapidamente do que o conhecimento, atingindo o seu máximo em níveis intermédios de conhecimento; em segundo lugar, os inquiridos com conhecimentos intermédios e elevado grau de confiança também apresentaram as atitudes menos positivas em relação à ciência. “Esta combinação de sobreconfiança e atitudes negativas face à ciência é perigosa, pois pode levar à disseminação de informação falsa e teorias da conspiração”, aponta André Mata, outro dos autores do estudo.
A equipa desenvolveu ainda um novo inquérito, que confirmou a tendência de que a confiança aumenta mais rapidamente do que o conhecimento.
Estes resultados desafiam os pressupostos convencionais sobre estratégias de comunicação científica, na medida em que esta dá frequentemente prioridade à simplificação da informação para públicos mais vastos. “Embora a apresentação de informações simplificadas possa oferecer um nível básico de compreensão, também pode levar a um aumento do excesso de confiança entre aqueles com algum (embora pouco) conhecimento. Há um senso comum de que ‘um pouco de conhecimento é uma coisa perigosa’ e, pelo menos no caso do conhecimento científico, pode bem ser o caso”, acredita Joana Gonçalves-Sá.
O melhor é adotar a frase de Sócrates: “Só sei que nada sei”. Afinal, a sabedoria do pensador está em não alimentar ilusões sobre o próprio saber.