Menos foco e atenção, menor destreza motora, menor capacidade de reação e alterações na visão são os principais efeitos das substâncias psicoativas na condução de veículos. Mas será tão perigoso como conduzir alcoolizado? Os riscos são distintos entre quem bebe e quem fuma um charro ou come uma goma de marijuana antes de se sentar ao volante, devido à forma específica como a marijuana afeta o cérebro e pelo facto de não existir uma dose padrão para tornar essa prática um crime.
Nas bebidas alcoólicas sabe-se que uma cerveja ou um copo de vinho são toleráveis até aos níveis mínimos da taxa de alcoolemia: é proibido conduzir com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l e 0,2 g/l no caso de novos condutores (durante os três primeiros anos de validade da carta de condução), condutor de veículo de socorro ou de serviço urgente, de transporte coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxi, de automóvel pesado de passageiros ou mercadorias.
Não existindo o equivalente para a cannabis é complicado para as pessoas e para as autoridades medirem e avaliarem quanta droga foi consumida antes de se fazer à estrada.
Nos Estados Unidos, durante a última década, os acidentes de viação envolvendo cannabis aumentaram e o uso recreativo da droga continua a aumentar. Uma análise recente dos dados de segurança pública dos Estados Unidos mostrou que de 2000 a 2018, a percentagem de mortes em veículos motorizados envolvendo cannabis mais do que duplicou, passando de nove para cerca de 22 por cento. Por outro lado, a percentagem de mortes envolvendo álcool permaneceu aproximadamente a mesma durante esse período.
Por cá, no ano passado, o número de condutores com excesso de álcool aumentou, registando-se uma subida das infrações e das detenções, segundo a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. As infrações por álcool aumentaram 1,65% em 2021 face a 2020 e o número de condutores detidos subiu 26%. “A criminalidade rodoviária, medida em número total de detenções, aumentou 27% em 2021, atingindo 25 388 condutores. Do total, 47% deveu-se ao álcool, com um aumento de 26% comparativamente ao verificado no ano transato”, precisam os dados.
Embora haja escassez de dados que comparem diretamente os perigos de guiar embriagado versus conduzir alterado pelo efeito da droga, a pesquisa que existe sugere que com marijuana pode ter menos probabilidade de causar acidentes de viação mortais, do que com o álcool.
Num estudo feito, em 2017, com mais de quatro mil condutores de uma base de dados da polícia em França, os investigadores descobriram que quem conduzia sob a influência de álcool era aproximadamente 17,8 vezes mais propenso a ser responsável por acidentes de viação fatais do que condutores sóbrios; já os condutores sob a influência de marijuana eram 1,65 vezes mais propensos a causar acidentes mortais.
O projeto Driving Under the Influence of Drugs, Alcohol and Medicines (DRUID), concluiu que Portugal apresenta a quarta maior prevalência (7,4%) de qualquer substância psicoativa, superior à média dos condutores dos 13 países europeus incluídos no estudo. De acordo com dados do projeto DRUID, o risco de morte ou ferimento grave é 1 a 30 vezes maior em condutores sob a influência de drogas, comparativamente a condutores que não consumiram qualquer substância.
Um outro estudo que analisou os relatórios de segurança nas estradas dos Estados Unidos de 2007 estimou que os condutores que usavam marijuana eram 1,83 vezes mais propensos do que os condutores sóbrios a envolverem-se num acidente mortal.
Estudos como esses geralmente são feitos com pessoas que passaram por testes de drogas após terem tido acidentes de carro. Mas, como a cannabis pode ficar nos tecidos adiposos até 28 dias depois do consumo, um teste de drogas positivo não significa necessariamente que o condutor tenha consumido antes de ir conduzir.
A forma como as pessoas usam a droga também pode ajudar a cálculos imprecisos sobre quanto tempo demora a produzir efeito e por quanto tempo perdurará. Quem fuma um charro ou inala através de um cachimbo de água, vai sentir-se alterado em poucos minutos, voltando ao estado normal passadas três ou quatro horas. Quem opta por comer um brownie de marijuana ou uma goma, leva mais tempo a ficar pedrado, porque a droga nos produtos comestíveis precisa de ser absorvida pelo intestino e metabolizada pelo fígado, dificultando prever quanto tempo dura a “trip”, segundo explicações dadas por Godfrey Pearlson, professor de neurociência da Universidade de Yale, ao jornal The New York Times.
O THC (tetrahidrocarbinol, principal componente ativo da cannabis) interfere prejudicando vários comportamentos relacionados à condução, incluindo a capacidade de mudar de faixa de rodagem e diminuindo a capacidade de resposta em geral. Os efeitos psicoativos da cannabis também podem tornar a condução perigosa. A paranoia que algumas pessoas sentem enquanto estão drogadas pode induzir a um ataque de pânico enquanto vão na estrada.
A cannabis também dificulta a perceção do que é seguro e do que não é. Num estudo randomizado com 191 consumidores regulares de cannabis (pessoas que usaram a droga em média 16 vezes por mês), os investigadores instruíram-nos a fumar cigarros de THC ou placebos até atingirem o nível desejado durante um período de dez minutos, tomando um mínimo de quatro baforadas.
Trinta minutos depois, e ao longo do dia, fizeram uma série de simulações de condução. Antes de cada simulação, foi pedido aos participantes que avaliassem o quão pedrados estavam e quão alterados estavam para conduzir. Após esse primeiro intervalo de meia hora entre fumar e conduzir, pouco menos da metade das pessoas que fumaram THC disseram que se sentiam seguras para conduzir no seu estado atual. Mas, depois de 90 minutos, quase 70% consideraram-se bem para ir para a estrada – mesmo que o grupo de THC tenha tido um mau desempenho (e pior que o grupo de placebo) nas simulações.
Quem consumiu drogas e vai para dentro de um carro conduzir não é, seguramente, um bom juiz em causa própria. A perceção do perigo será sempre enviesada. Por isso, o melhor é nunca sentar-se ao volante.