“Nunca é fácil.” O desabafo mais comum de muitos casais que tomam a decisão, por acordo ou nem tanto, de por um ponto final ao compromisso firmado e seguir novos rumos. Com filhos, há uma vírgula pelo meio, já que ser pai ou mãe é para a vida.
Já seria difícil gerir perdas e fazer ajustes logísticos, financeiros e emocionais sem as sequelas pandémicas que se traduziram, para uma parte expressiva dos casais, na deterioração da vida em comum. Quem já não estava bem, não aguentou tanto tempo fechado no mesmo espaço, em teletrabalho, sobrecarregado com tarefas familiares e sem escapes. Com o início do desconfinamento, em meados do ano passado, precipitou-se o aumento dos divórcios, com mais duas centenas de casamentos dissolvidos no terceiro trimestre desse ano (um total de 3862), face ao ano anterior, segundo dados do Ministério da Justiça divulgados no jornal Público. Agora, com o tão ansiado alívio das restrições impostas pela quarta vaga da pandemia em curso, a época de férias revela-se uma caixinha de surpresas para todos e, mais ainda, para os separados e divorciados de fresco. E os seus descendentes que, tal como eles, esperam aproveitar esse tempo da melhor forma para desfrutar de momentos lúdicos e descontraídos e repor energias.
Em nome dos filhos
À ansiedade típica associada ao início das férias, a despachar tarefas laborais e outras, junta-se a antecipação do tempo de pausa e, claro, de momentos de prazer. Talvez valha a pena começar recuar no tempo e voltar ao baú de memórias de infância ou da adolescência, e restaurar o que trouxe valor acrescentado aos dias, sobretudo agora, que existe uma oportunidade real para dar asas à imaginação sem ficar preso às rotinas do passado recente e a uma certa ideia da “família feliz” que se desfez. É possível que esta nova zona de desconforto traga, também, coisas novas e, porventura, boas, melhores até, mesmo que, nesta transição, tenham de fazer concessões que antes não equacionariam.
Entre os receios mais comuns, o receio da instabilidade nas crianças pelo facto de passarem a ter duas casas e, no caso de ficarem apenas a viver com um dos pais, quais as decisões que terão de ser partilhadas. “O modelo de residência alternada tem vindo a ganhar espaço na nossa sociedade, mas representa grandes desafios aos pais”, afirma a terapeuta familiar Marta Braz, especialista em Psicologia da Justiça. É que, mesmo estando magoados, vão ter de continuar a comunicar com regularidade, “nem que seja só para dizer que o filho ainda não fez os trabalhos de casa, que tem de tomar um medicamento por estar constipado ou que se vai atrasar 10 minutos para o levar a casa do outro porque está muito trânsito”.
O que fazer, sem entrar em disputas à mínima questão que surja? “Sentar-se à mesma mesa e, numa linguagem respeitosa e empática, encontrar canais de comunicação eficazes, por telefone, SMS, mail ou outro, em nome do bem-estar dos filhos.” É frequente a psicoterapeuta pedir aos pais que se imaginem no lugar dos filhos a dizer como gostariam que os crescidos agissem numa dada situação.
Flexibilizar com bom senso
Deixar tudo para a última hora pode ser uma fonte de chatices para todos. Pode ser útil voltar ao tempo em que programavam momentos a dois ou com as famílias de cada um para perceber que é possível, a partir de agora, mas apenas no registo parental. Evitar turbulências desnecessárias requer algum esforço, mas compensa, por poupar todos a lidar com a pressão de tomar decisões sobre o joelho ou por cedência a um dos ex.
Imaginar-se no lugar dos filhos a dizerem como gostariam que os crescidos agissem numa dada situação é um exercício que pode ajudar os pais separados na hora de planear férias
“O facto de os pais considerarem que não têm de comunicar ao outro o local onde pretendem passar o período de férias com o filho é pouco razoável”, lembra a psicóloga. Do mesmo modo, “não é compreensível interferir no período de férias que a criança passa com o outro, deslocando-se lá para ver os filhos, ou ligar várias vezes ao dia”. Definir um horário para telefonemas e chegar a um entendimento prévio sobre detalhes como “os períodos de exposição solar do filho, os gelados ou bolos que pode comer e o que não faz sentido contrariar quanto às orientações de educação de cada um” é meio caminho para uma férias sem percalços.
A pandemia trouxe novas clivagens: um dos adultos entende que as crianças podem estar fora da zona de residência e o outro não; um defende o uso da máscara e o outro insiste que não é de uso obrigatório em idades mais precoces. Neste caso, deve prevalecer o superior interesse da criança e ter presente os motivos que podem estar por trás das divergências: “Quando os pais querem, consciente ou inconscientemente, encontrar formas de colocar obstáculos aos convívios da criança com o outro, com ou sem pandemia, vão encontrar motivos para tal.” Dito isto, importa ajudar os menores a encontrar estratégias para lidar com as dificuldades que possam sentir, mais do que cumprir regras à risca.
Firmeza e transparência
Uma vez que os filhos vão ter de adaptar-se a novas rotinas que não pediram, além de terem de processar, emocionalmente e à sua maneira, a separação dos pais, é pertinente ouvi-los, dar-lhes espaço para expressarem as suas preferências e incluí-los no processo das tomadas de decisão, consoante a sua idade e nível de entendimento. Entre fixar limites para poupar os descendentes a dramas familiares e abrir mão de exigências numa fase que vai passar, há um equilíbrio a fazer, por tentativa e erro. Se, apesar de a decisão da separação estar tomada, os pais entenderem que faz sentido passarem férias juntos – aqui, a relação amigável entre os ex é um requisito essencial – essa pode ser uma solução, sobretudo se o processo está no início. O mesmo não se aplica quando há conflitos acumulados e geradores de tensão para todos.
Outra situação comum, e que envolve mais complexidade, prende-se com a presença de novas pessoas na vida do casal que se separa, que raramente é isento de sentimentos como o ciúme, o ressentimento ou o medo de que o terceiro elemento possa ocupar o lugar do progenitor na vida dos miúdos. “São inseguranças compreensíveis, mas é importante que os filhos não sejam incentivados, por exemplo, a chamar os novos parceiros por pai ou mãe”, acrescenta Marta Braz.
Testar limites – outro cenário expectável, mas da parte dos descendentes, nas famílias recompostas – pode revelar-se uma dor de cabeça mas não tem de ser um drama se os adultos estiverem à altura: “Os pais devem levar a criança a perceber que não pode dizer uma coisa a um e outra a outro para tentar tirar partido da situação, fazendo-lhe saber que falam sobre o que ela diz a cada um.”
Criar rituais e momentos felizes
Como reza o ditado, quando uma porta se fecha, abre-se uma janela. No caso, começar de novo é algo que se faz sem manual de instruções e cada um terá uma parte para escrever da história que os une a todos. E porque não são desejáveis os conflitos de lealdade com os pais, especialmente nas férias, o principal desafio que se coloca aos pais é não cederem à tentação de agir de acordo com as suas prioridades, numa altura em que desejam um “break” das preocupações e do luto que uma separação traz consigo.
Entre os casos que vem acompanhando, Marta Braz recorda a de um progenitor com férias programadas com a criança e foi confrontado com uma atitude questionável por parte daquele com quem a criança residia: “Perguntou-lhe se, em vez das férias com a outra parte, preferia antes ir com a tia à Eurodisney”. A atitude óbvia, mas que não o foi, seria: “Os pais não devem aceitar outros convites de férias para os filhos.”
Para que aquilo que se afigura estranho – por vezes assustador – venha, aos poucos, a tornar-se familiar, ou seja, um “normal” mais leve e gratificante, os protagonistas precisam de estar abertos, ou emocionalmente disponíveis, a experimentar registos diferentes, nas férias e fora delas, pois é aí que estão as sementes de novas tradições no futuro.
A psicóloga clínica recorda situações felizes em que os pais, apesar de separados, cultivaram um espírito de cooperação através de gestos simples, com um impacto positivo. : “Sempre que havia sobras de uma refeição de que os filhos gostavam muito em casa de um dos pais, davam-lhe uma marmita para comerem em casa do outro.” Há ainda o caso dos filhos com residência alternada em que “um dos ex fez questão de pagar um montante a título de alimentos para que estes tivessem a mesma qualidade de vida”. Estas atitudes ilustram o que pode fazer a diferença nas memórias futuras das crianças de pais separados, sem que fiquem com a sensação traumática de terem sido armas de arremesso em disputas que não são delas, ou o ónus de terem tido que escolher entre o pai e a mãe por eles não terem feito o trabalho de casa.