Jana era estudante universitária do segundo ano no Debra College, no distrito de Medinipur, no estado de Bengala Ocidental, na Índia. A 3 de maio foi violada, estrangulada e assassinada. A jovem de 21 anos, segundo relatos da imprensa local indiana, desapareceu na tarde dessa segunda-feira. À noite, os familiares começaram à sua procura e encontraram o corpo semi-nu numa casa abandonada. Jana terá sido encurralada por dois homens, que estariam a trabalhar na casa em construção, ao lado da sua casa de dois andares. Quando a rapariga protestou, um deles tapou-lhe a boca, enquanto o outro a arrastou para dentro da casa, para depois ambos a violarem. Toda a cena aconteceu, revelou a investigação policial, em frente a uma colega que ficou em silêncio enquanto os homens estrangulavam Jana até a morte.
Sanka Chatterjee foi o primeiro polícia a chegar ao local e impressionou-o a imagem de sangue espalhado por toda a parte. Em 11 anos de serviço, o agente de autoridade disse nunca se ter sentido tão desamparado e zangado como depois de ver o cadáver de Jana. Filha de um agricultor e de uma trabalhadora na saúde comunitária, os pais de Jana ficaram arrasados com o crime perpetrado por dois trabalhadores da construção civil, conhecidos da vítima e da família, como acontece na maior parte dos casos.
Muitos dos colegas e amigos da faculdade de Jana no dia seguinte à descoberta do corpo saíram à rua com faixas e cartazes, exigindo justiça, incluindo pedidos para o enforcamento dos violadores.
Este caso foi notícia no mesmo dia em que nas televisões passavam imagens da vitória de Mamat Banerjee como primeira-ministra de Bengala Ocidental, o que representa uma mulher com poder num país patriarcal. Foi um dia histórico para as mulheres na Índia, com esta vitória eleitoral a derrotar o Partido do Povo Indiano (BJP, sigla original), de ideologia nacionalista hindu, do primeiro-ministro da Índia Narendra Modi que, com a sua eleição em 2014 e reeleição em 2019, tem vindo a conquistar terreno e poder.
A morte de Jana colocou os holofotes mais uma vez direcionados para a Índia, como um dos lugares mais perigosos no mundo para se ser mulher.
Uma violação é reportada no país a cada 15 minutos, de acordo com o relatório anual de crimes do Ministério do Interior, publicado em 2020 (com dados de 2018). As mulheres relataram quase 34 mil violações, dado semelhante a 2017. Pouco mais de 85% levaram a acusações e 27% a condenações. Na altura, alguns grupos de direitos das mulheres apontavam que os crimes contra as mulheres são frequentemente desvalorizados por serem investigados por homens, quer polícias, quer juízes, sem sensibilidade.
As estatísticas do governo subestimam o número de violações, pois ainda é considerado tabu denunciá-los em algumas partes da Índia e porque quando terminam em assassinato são contados puramente como assassinatos. Números de 2020 mostram que há 244 mil casos de violação e violência sexual contra crianças e jovens pendentes nos tribunais.
Há três meses foi noticiado mais um caso. A adolescente depois de ter sido violada conseguiu contar à família como o seu vizinho a empurrou para o chão, enfiou um pano na boca e depois a violou. Os parentes e vários moradores da pequena aldeia encontraram o suspeito e espancaram-no. Mas, como a família considerou que a jovem de 16 anos tinha envergonhado o clã, o grupo ainda a amarrou com uma corda ao violador e ambos desfilaram pelos campos e mercados da aldeia no estado indiano de Madhya Pradesh. A rapariga não se livrou da fúria dos muitos homens que assistiam ao desfile e lhe deram pontapés e cuspiram em cima. O vídeo circulou nas redes sociais e revelou como a culpa de existir violência sexual ainda continua a ser atribuída às vítimas.
Em 2017, a violação de uma adolescente pelo ex-deputado estadual do BJP Kuldeep Singh Sengar ganhou destaque quando a vítima se tentou suicidar no ano seguinte, acusando a polícia de inércia. Cinco meses antes de Sengar ser condenado, a família da adolescente ficou com segurança policial depois que um camião ter batido no carro em que ela seguia, ferindo-a e matando dois dos seus familiares.
Há nove anos, a violação coletiva brutal e o assassinato de uma estudante num autocarro em Deli, revelava ao mundo os índices de violência sexual na Índia. O caso de Nirbhaya, com milhares de pessoas na rua em protesto, causou algumas pressão pública e uma nova legislação duplicou as penas de prisão para os violadores para 20 anos, e quatro dos homens foram enforcados em março de 2020.
Para Vrinda Grover, advogada e ativista citada pelo jornal The Guardian, as reformas legais foram introduzidas em 2013 como uma resposta ao clamor público por justiça, mas a violência sexual continuou porque “o estado e a sociedade não estão dispostos a investir recursos que mudariam a desigualdade, discriminação e preconceito contra a mulher”. Mas, Vrinda Grover está otimista quanto ao futuro porque “as mulheres não estão dispostas a continuar a sofrer em silêncio. Elas estão a desafiar manifestando-se contra todas as formas de violência sexual, muitas vezes contando com a nova lei, que define um padrão normativo que destaca a integridade corporal e a autonomia sexual como dimensões da dignidade e da privacidade da mulher. A insistência e a afirmação das mulheres ao reivindicarem a liberdade como cidadãos iguais, ao procurarem justiça nos tribunais e nas ruas, obrigará o estado e a sociedade a transformarem-se.”