Sim, os morcegos utilizam a ecolocalização para prever onde vão encontrar o jantar. Mas, não, não recorrem apenas ao eco mais recente para seguir as suas presas. Eles calculam para onde um inseto está a dirigir-se construindo modelos preditivos instantâneos do seu movimento. E os modelos que constroem são tão robustos que podem continuar a segui-lo mesmo quando desaparece temporariamente atrás de um obstáculo que bloqueie o eco, como uma árvore, concluíram investigadores da Universidade Johns Hopkins (JHU), em Baltimore, nos Estados Unidos.
“Da mesma forma que um jogador de ténis precisa de descobrir quando e onde vai bater na bola, um morcego precisa de prever quando e onde fará contacto com o inseto que está a caçar”, compara Cynthia F. Moss, neurocientista e professora da Escola de Artes e Ciências Krieger, que pertence à JHU, citada num comunicado da universidade. “O inseto está a voar. O morcego também está a voar. Nesse ambiente de mudança muito rápida, se o morcego confiasse apenas nas informações que obteve do eco mais recente, não acertaria no inseto”, nota.
No estudo agora publicado na revista PNAS, a publicação oficial da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, as investigadoras Angeles Salles, Clarice Anna Diebold e Cynthia F. Moss recriaram em laboratório situações de caça em liberdade. Treinaram morcegos para ficarem em poleiros e seguir presas, colocaram obstáculos que interrompiam os ecos e estiveram particularmente atentas aos movimentos das suas cabeças.
Os morcegos usam o intervalo de tempo entre cada chamada de ecolocalização e os ecos resultantes para determinarem a que distância está a presa. E inclinam a cabeça para captar a intensidade de mudança dos ecos e descobrir onde a presa se encontra no plano horizontal.
Se não estivessem a prever onde estariam os insetos, os movimentos das suas cabeças estariam sempre atrasados em relação aos alvos. “Criámos modelos matemáticos para testar os dados e chegámos a diferentes hipóteses sobre o que os morcegos poderiam estar a fazer”, contou Clarice Anna Diebold. “A nossa hipótese é que os morcegos usam as informações de velocidade do tempo dos ecos e ajustam ainda mais a mira da cabeça”, explicou Angeles Salles.
A questão da previsão é importante porque um animal deve planear com antecedência para decidir o que fará a seguir, lembram as investigadoras. E o caso dos morcegos é notável, sublinham, porque eles fazem isso apenas com breves instantâneos acústicos.
As autoras do estudo escrevem ainda que esta descoberta também é importante para os humanos que dependem da audição para rastrear objetos no seu ambiente. “Para pessoas com deficiência visual, a audição é fundamental para o rastreamento e a navegação de objetos auditivos, e, nos últimos anos, os programas de treino de mobilidade para cegos incluem instruções sobre a ecolocalização por meio de estalidos da língua.”
A capacidade de prever o futuro é só mais uma características destes mamíferos que nos deixa fascinados. Em 2011, ano escolhido pelas Nações Unidas para celebrar os morcegos, o Zoo de Lagos, em Barão de São João, recebeu vinte grandes “raposas-voadoras” (Pteropus Lylei). Os dez casais, lindos com as suas “golas” de pelo cor-de-laranja, viajaram do Bioparque Doué de la Fontaine, em França, e ficaram instalados no walking through asiático em que se recriou o ambiente apropriado para a espécie. Quando se atravessa o espaço e se olha para cima, lembramo-nos imediatamente do vídeo de uma hipotética discoteca gótica que se tornou viral na internet.