A relação pode não parecer óbvia, mas existe. Se houver um maior investimento, por parte dos governos, na proteção da vida selvagem – o que implica uma redução da desflorestação e um controlo do tráfico de animais selvagens – pandemias como a Covid-19, que teve origem num animal, podem ser evitadas, concluiu um novo estudo. Com a desflorestação e o comércio internacional, os animais selvagens, que são portadores de doenças, estão em maior contacto com os seres humanos. Ao estarem expostos a estes animais, os humanos correm um maior risco de contrair um vírus e ficar contaminados com ele.
A investigação concluiu que, para conseguirmos prevenir uma pandemia, apostanto neste caminho, apenas será preciso investir 2% do que já se gastou com esta crise mundial.
Mariana Vale, cientista no Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fez parte do estudo que reuniu cientistas e especialistas de vários países. À VISÃO, a investigadora explica em que consiste esta análise.
“O que o nosso estudo traz de novo é a quantificação do custo monetário para um programa de prevenção de pandemias baseado em ações ambientais, numa escala global”, explica. No programa são apontadas medidas como a redução da desflorestação, a regulação e o controlo do tráfico de animais selvagens e exóticos e fazer uma prevenção e uma antecipação das crises ambientais.
“Nós mostramos que o custo é irrisório quando comparado com as perdas económicas associadas à pandemias, seja à Covid-19 ou outras de origem selvagem, como a VIH/SIDA. De facto, calculamos que o custo anual de prevenção é 100 vezes menor do que o que já se perdeu com a Covid-19 até agora”, refere a cientista.
Mariana Vale foi convidada a participar neste estudo pela sua experiência e conhecimento sobre a biodiversidade e a desflorestação na Amazónia. Segundo a investigadora, a Amazónia é um lugar de extrema importância para os estudos a prevenção de pandemias. “Primeiro, porque entre 2005 e 2012 o Brasil conseguiu reduzir a desflorestação na Amazónia até 70% com um programa de monitoramento e controlo, e usámos este programa como um modelo no nosso estudo. Segundo, porque o crescente aumento da desflorestação da Amazónia desde 2012 coloca-a como uma área de alto risco para a emergência de doenças com potencial pandémico”.
Para além da prevenção de novas pandemias, o estudo apresenta ainda uma forma de combater contra as alterações ambientais. “O controlo da desflorestação, além de prevenir pandemias, também dialoga muito bem com a agenda climática, pois 20% das emissões globais de gases de efeito estufa vêm daí. Além disso, a floresta em pé ajuda na regulação climática numa escala regional ou até mesmo global, no caso da Amazónia”.
“Além disso, mostramos que o custo é muito inferior que os gastos com as pandemias que, inclusive, são muito maiores que os ganhos com a desflorestação ou com o tráfico de animais selvagens”, relata a investigadora.
A cientista não tem dúvida de que se os governos de todo o mundo apostarem nestas medidas irão conseguir evitar outras pandemias. “Os governos não apostam nestas iniciativas simplesmente por inércia e apego a um modelo de desenvolvimento caduco, que vê a proteção do meio ambiente como gasto e não um investimento necessário para o desenvolvimento socioeconómico”, afirma.
“Calculámos um custo anual de prevenção entre 18 e 25 mil milhões de euros, o que não é nada comparado, por exemplo, com o gasto do quase 600 mil milhões de euros dos EUA, em 2019, com o setor militar. E a Covid-19, hoje, é sem dúvida uma ameaça muito maior para a vida dos americanos que alguma guerra iminente”.
O plano e o estudo foram publicados e está disponível para todos os governos do mundo. Não se sabe ainda se este será adotado mas Mariana Vale espera que sim. Em suma, a análise prevê que se crie um fundo internacional para a prevenção de pandemias, “com uma maior contribuição dos países desenvolvidos que têm os recursos e também muito a perder com pandemias como a Covid-19”.
“A prevenção de pandemias através de ações ambientais deve ser um esforço supranacional. Os países com alto risco de emergência de novas doenças, que são aqueles com grandes extensões de florestas tropicais, não têm como pagar essa conta sozinhos”, explica a cientista.
Mas não são só os governos que têm peso nesta decisão. Enquanto cidadãos e partes afetadas com a pandemia, temos também um papel fundamental na manutenção saudável entre o homem e o animal. “As pessoas podem ajudar pressionando seus governos para que não tomem parte direta ou indiretamente na desflorestação das florestas tropicais, e deixarem de consumir produtos que sabem que são frutos de um trafico animal”.