Guida Tavares e Cidália Cabral não poderiam viver mais nos antípodas. As duas não moram assim tão longe uma da outra – de Carcavelos até às Avenidas Novas, em Lisboa, gastam-se no máximo 25 minutos de carro –, mas os seus dias são tão diferentes como se elas tivessem metade do mundo pelo meio.
A culpa é de um ser minúsculo e invisível a olho nu que foi batizado de SARS-CoV-2. Uma coisa microscópica capaz de, ao mesmo tempo, alimentar um medo enorme ou parecer insignificante.
Dizer a uma e a outra que, por terem mais de 70 anos, devem ficar em casa o maior tempo possível não surte o mesmo efeito. Pelo contrário. Quase podemos escrever que essa frase desencadeia reações opostas nestas mulheres. Só o sorriso de ambas é o mesmo quando falam dos cuidados por parte dos filhos, nestas últimas semanas redobrados e – queixa-se Cidália – algumas vezes até exagerados.
Sabemos que Guida sorri pela maneira como a sua voz se faz ouvir cantada ao telefone. Não temos autorização para entrar no primeiro andar onde mora com o marido, doente cardíaco. Pede desculpa, mas há quase dois meses que a porta do apartamento não se abre a não ser para a filha – e mesmo ela só passa da soleira para ajudar a levar os sacos das compras que vai fazer-lhes. A fotografia também há de, por isso, ser tirada de longe, da rua para a varanda.
Desde o dia 11 de março, esta antiga funcionária pública, de 74 anos, apenas pôs os pés fora de casa quatro vezes – duas para ir ao multibanco, uma para ir ao banco e, na quarta-feira, 6 de maio, para ir ao cabeleireiro. Saiu de máscara e de luva numa mão e saquinho de plástico na outra. E usou sempre tanto álcool que o telemóvel ficou manchado e os extratos bancários estão ilegíveis.
“Tenho muito medo, parece que vou fazer mal a mim mesma”, diz quando lhe falamos na hipótese de voltar à rua com regularidade. “E é já um medo instalado”, analisa. “O meu marido e os meus filhos precisam de mim. Gosto de viver, mas preservo-me por eles.”
À exceção de dores nos ombros e nas lombares, Guida é uma mulher saudável. Mentalizou-se de que deve ficar em casa pela família, mas confessa uma revolta grande. “Claro que queria fazer uma vida normal e sinto-me enjaulada – é esse o termo! O que me vale é a casa ser grande.”
Ela, que andava sempre de um lado para o outro, que gostava de visitar as amigas e de ir a Lisboa, já decidiu que tão cedo não volta ao café nem vai “sair à vontadinha”. Irá manter os “ultracuidados”, provavelmente mesmo no seu dia de anos, já a 25 deste mês. “Sou otimista, mas isto traumatizou-me muito.
A 20 quilómetros da casa de Guida, no 7º andar do prédio onde trabalha como porteira, Cidália faz as honras quase como de costume. As visitas continuam a ser encaminhadas para a sala de estar, mas ela há de sentar-se numa cadeira. Está com muita vontade de falar e nenhuma de tratar do jantar. É 1 de maio e à tarde foi, como sempre, à Alameda; este ano achou tudo demasiado certinho, mas sempre fez uma boa caminhada.
O dever especial de proteção para com os idosos acabou por se virar contra eles, estigmatizando-os e discriminando-os
Cidália quer acreditar que o pior já passou. Fazem-lhe falta as visitas a museus e os passeios organizados pela Junta de Freguesia, mas se lhe custa estar longe da neta, de 14 anos, ainda lhe custa mais ficar fechada em casa. Por isso não aceitou o convite para se mudar temporariamente para casa da filha mais nova, que mora em Carnaxide.
“É um 10º andar com uma linda vista, mas aqui saio todos os dias, bebo o meu café, vou ao supermercado”, justifica. “Sem uma conversa ficamos doidos – não apanhamos o vírus, mas apanhamos uma maluquice”, brinca. “Eu tenho de ir para a rua nem que seja para ouvir alguém dizer de longe ‘Ó vizinha!’, é um alívio para a minha cabeça.”
Em março, Cidália quase não saiu e acredita que foi por isso que a sua tensão arterial subiu aos 21. Uns tempos depois, passou uma semana sozinha na casa de fim de semana da filha, em Azeitão, e o stresse nem a deixava dormir. “Era para me proteger, mas foi um castigo”, recorda. “Tenho 78 anos, vou ficar fechada o tempo que me resta para viver? Nós, os mais velhos, se estivermos um mês em casa é como se nos roubassem um ano de vida!”
O “novo normal” apanhou-a já de máscara cirúrgica na mão, que estreou no final de abril, numa consulta de Oftalmologia. Anda habitualmente na rua de cara descoberta, a não ser nas lojas, mas aproveitou logo o primeiro dia do comércio local aberto para comprar elástico para as máscaras que quer costurar. “Agora, elas não podem faltar”, observa, pragmática.
O sedentarismo mata
Se há pessoa que sabe o que fazer num caso de saúde pública é Joaquim Alves, conclui-se ao fim de uns minutos de conversa. É natural. Trabalhou mais de 30 anos com idosos, na Suíça, onde aprendeu a tomar precauções sempre que havia “um mero vírus da gripe” na instituição. “Isolávamo-nos, deixávamos imediatamente de ter contacto com os colegas”, conta.
Há uns meses, “ao ver a mortandade” em Itália e em Espanha, Joaquim disse à sua companheira (agora ex): “Isto para mim é um risco porque tenho 72 anos, diabetes, tensão arterial alta e problemas respiratórios. Tenho de ter cuidados extremos e isolar-me.”
Ficou com medo, conta ao telefone, acabado de chegar da caminhada que faz todos os dias pela falésia, entre Porto de Mós e a Praia da Luz, em Lagos, onde mora. “Não saí de todo na primeira semana de confinamento, arranjei quem me trouxesse as compras. Depois, deixei de usar o elevador do prédio e nunca mais toquei no corrimão das escadas nem na porta de entrada (abro com a chave e fecho com o pé).
Para se manter ativo, de início Joaquim andou às voltas no seu apartamento e no terraço do prédio. Mas a tensão começou a subir e a médica de família receitou-lhe passeios maiores e ao ar livre. “O sedentarismo mata, os mais velhos podem e devem fazer saídas”, já tínhamos ouvido a Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Médicos de Família.
Joaquim tem a sorte de viver rodeado de campo, com o mar por perto. Evita cruzar-se com pessoas e usa uma máscara se atravessa a cidade a pé. “Sei o risco que corro, mas acho incorreto imporem-me ficar em casa só por causa da idade. Eu e os outros, que estamos bem de cabeça, sabemos proteger-nos.”
Noutra vida, como gosta de dizer, Joaquim militou na esquerda revolucionária e viveu na clandestinidade; foi, aliás, por causa das suas atividades políticas que saiu do País da primeira vez. Agora, gere a página A Velha Toupeira no Facebook, nome inspirado na conhecida livraria parisiense e editora La Vieille Taupe, e recusa “rótulos abusivos”. Ouviu, por isso, com agrado o primeiro-ministro afirmar que o dever cívico de recolhimento domiciliário é aplicável a todos os cidadãos, independentemente da idade ou de apresentarem fatores de risco.
É verdade que a faixa etária acima dos 70 anos é a mais afetada pelo novo coronavírus (ver infografia). “Há uma assimetria de faixa etária – é muito setorizado nos mais velhos”, sublinha o médico Rui Nogueira. Mas, ao anunciar as medidas do estado de calamidade, a 30 de abril, António Costa disse ter constatado que muitas vezes foi mal interpretado o que significava o dever especial de proteção para com o idoso, “estigmatizando-o, encarando-o como uma ameaça à sociedade”.
Maria do Rosário Gama, presidente da APRe!, ela própria com 71 anos, ouviu-o com alívio. “Não pode haver discriminação pela idade – só pelo estado de saúde” tem sido o seu mantra nos últimos meses.
Em meados de abril, já a Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados que lidera tinha tomado uma posição pública contra a vaga que defendia o isolamento dos mais velhos, escrevendo uma carta aberta ao Presidente da República. Por essa altura, outras vozes se levantaram, entre elas as do cardeal Tolentino Mendonça e do constitucionalista Bacelar Gouveia.
Desde o início da pandemia que Maria do Rosário Gama limitou as saídas e usa uma máscara em espaços fechados. Ainda só esteve à distância com os dois netos, de 5 e 8 anos, e passou a falar por Skype na Praça da Alegria (RTP1), onde tem a rubrica Consultório do Reformado. “Sou saudável”, sublinha. “Já passei por um carcinoma no útero, mas correu tudo bem e foi há muito tempo. Se eu tivesse 50 anos, faria o mesmo que faço.”
Quando alguém lhe fala dos idosos a jogarem às cartas no jardim, a dirigente da APRe! compara-o com os jovens que tem visto à conversa na rua. “Há inconscientes em todas as idades”, nota. “E é preciso as pessoas lembrarem-se de que o futuro é mais exíguo para nós, que este tempo roubado à nossa vida faz-nos muita falta.”

Confinamento antinatural
Se não fosse o Skype, Álvaro Pereira ainda se sentiria mais perdido em São Miguel. Pelo menos três vezes por ano, o especialista em seguros voa de Boston a Ponta Delgada para ver os pais, que vivem num lar. Este ano, aterrou a 9 de março, dia em que a mãe fez 87 anos, e ainda conseguiu dar-lhe os parabéns pessoalmente antes de serem proibidas as visitas. Desde então, só mesmo pelo computador, como se estivesse nos Estados Unidos, para onde não prevê poder regressar antes de junho.
Todos os finais de tarde, Alice Sá vê como o primo troca mimos com os pais e se emociona. “E fiquei impressionada quando a minha madrinha me agradeceu por estar a dar de jantar ao Álvaro, deixou-me de rastos”, confessa.
Alice tem 68 anos, apenas mais 11 do que o primo, a quem chegou a dar aulas. A cerca sanitária imposta aos seis concelhos de São Miguel acabou por os aproximar ainda mais, conta a antiga professora primária, que se diz “feliz da vida” por ter alguma companhia.
Os cuidados em sua casa na Maia, a meia hora de carro de Ponta Delgada, são muitos. “Não corremos riscos desnecessários”, observa. Álvaro anda sempre de máscara na rua e com desinfetante no carro. E ela própria só sai uma vez por semana para ir a pé ao supermercado – vai uns minutos antes de a porta abrir, para ser a primeira, e quando chega a casa pousa as compras no “quarto das máquinas”, onde os sacos ficam a arejar.
Viúva há sete anos, do escritor Daniel de Sá, Alice está habituada a passar os dias sozinha e em casa. “Tive um treino de exílio”, brinca. O marido pouco saía, e ela, por gostar muito da sua companhia, tornou-se caseira. Faltou-lhe o chão quando ele morreu, mas teve amigas que a ajudaram a sair do poço. Tem três filhos e seis netos, mas é sobretudo com elas que viaja até ao Continente e mapa acima rumo a Espanha. “Quando estamos juntas, somos mais alegres”, lembra.
Alice não se sente deprimida, talvez por ser mentalmente resiliente, e no confinamento descobriu que ainda sabe fazer crochet. Para não se sentir enclausurada, ajuda ter uma casa espaçosa, rodeada de campo e de mar, e os muitos livros e revistas que gosta de ler sem método. “Não me sinto obrigada a nada”, ri-se.

Tínhamos ouvido coisa parecida a Fernanda Melo de Sousa, nascida e criada no Porto, nos seus 83 anos muito vivos. Quando não está a dar caminhadas no terraço, a fazer de conta que foi até ao mar, “Nandinha”, como é conhecida pelos seus amigos e vizinhos nas Antas, lê. A televisão está habitualmente ligada no canal Mezzo, a debitar música de fundo.
“Ando a reler livros, mas só as partes de que tinha saudades”, conta esta antiga professora primária que, já reformada, fazia voluntariado num lar. E sobra-lhe tempo porque acabaram as conversetas com as amigas, as idas ao café e ao cinema, as voltinhas pelo bairro. Agora, conversas só por telefone. Com o filho, que mora em Lisboa, fala três vezes ao dia, “como um antibiótico”, mas tem a sorte de o neto ir todas as semanas ao Porto, visitando-a à janela. “Disseram ‘Fique em casa’ e eu fiquei, fiz o sacrifício.”
Ao fim de quase um mês sem pôr um pé na rua, Fernanda ia chorando quando, pela Páscoa, uma amiga lhe fez chegar um bolo, dentro dum cesto que içou com uma cordinha. Agora, começou a ir até ao fim da rua e ao supermercado, mas nada é como dantes, analisa. “Estamos todos aparvalhados e perturba-nos não sabermos quando isto acaba. Sou obediente, embora por dentro esteja a chorar. Nasci no tempo de Salazar, mas tenho as minhas revoltas intelectuais.”
A empregada nunca deixou de ir lá a casa, de segunda a sexta. “Por isso, ao fim de semana custa-me mais, fico numa meditação, no Monte do Calvário”, brinca. “Porque isto é antinatural, somos um animal social. No fim disto pode haver muitas depressões.”
Um parêntesis para reproduzir os receios do psicólogo David Dias Neto: “As descompensações tendem a surgir mais a longo prazo, e é também preciso não esquecer que há uma depressividade nos mais velhos que não ajuda – faz com que não se cuidem. Portanto, algumas dessas pessoas podem ter uma falta de cuidado.” Não é esse o caso de Fernanda, que aceitou o sacrifício a bem da saúde pública. “Se há uns meses me dissessem que ia passar os dias em casa… Mas, agora, consummatum est.”

Abaixo o gueto
Sim, aceitemos que tudo está consumado, pensamos dali a uns dias, ao visitar uma outra mulher dotada de uma capacidade de aceitação invejável. Quando entramos no apartamento de Maria Velez, um 6º andar na Graça, com uma vista panorâmica sobre Lisboa, sabemos que estamos a quebrar-lhe a rotina. Mas também sabemos que não se queixa dos seus dias agora passados em casa e sozinha, só com a visita de Manuela Fernandes, ajudante de ação direta da Voz do Operário.
Porque é antinatural, somos um animal social. No fim disto pode haver muitas depressões”
Fernanda Melo de Sousa
“Bom dia, princesa! Hoje para o almoço tem um primo do linguado com batata cozida, bem bom.” Todos os dias, a antiga oleira-formista na Fábrica Viúva Lamego, há 14 anos a dar apoio domiciliário a idosos, lhe entra no apartamento de voz alegre e sorriso escondido pela máscara cirúrgica.
Aos 89 anos, Maria ainda gosta de tomar o pequeno-almoço numa pastelaria, de almoçar fora, dar umas voltas pelo bairro, comprar o Público e ir supermercado. Ou gostava. Agora, valem-lhe a companhia de Manuela e as plantas que tem no terraço e que rega até quase as afogar.
“É um pouco chato uma pessoa perder a liberdade”, diz, no seu ar doce, ganhando mais um mimo de Manuela, que já tinha confidenciado dar-lhe abraços sempre que a sente triste. A verdade é que os abraços ajudam mais do que a televisão, a que liga pouco. Prefere as notícias em papel.
Além das 35 pessoas que recebem apoio domiciliário, a Voz do Operário fornece refeições a mais cerca de 30. Os cestinhos estão guardados – agora a comida segue em sacos de plástico e material descartável. Quem vai ao refeitório leva os seus próprios tupperwares, e são muitas vezes os filhos que o fazem, para poupar os pais.
É essa também a lógica seguida pela família de Eulália Matos Pinto, cuja fotografia abre este artigo. Desde meados de março que a antiga professora de Educação Física trocou o apartamento em Oeiras pela casa de fim de semana junto à Azóia, no concelho de Sesimbra, onde mora temporariamente com o marido e duas netas. Tiago, o pai das miúdas, está com a mulher numa outra casa, ao fundo do terreno, e é ele quem vai às compras.
A avó “Lau” tem uns 76 anos ativos, zero doenças no currículo e “a grande sorte” de poder passar os dias com as gémeas Joana e Maria, de 10 anos. “Tenho a perfeita consciência de que somos uns privilegiados, e de que maneira!”, diz, antes de mais uma tarde a acompanhar as aulas online e os TPC das netas. “É trabalho, mas alivia o isolamento.”
Joana e Maria estão habituadas a passar temporadas com os avós na Azóia, onde têm um quintal bom para andar de bicicleta e muito espaço para fazer caminhadas. Agora, todos lavam mais as mãos, mas sem paranoias, graças ao isolamento natural da propriedade.
No Domingo de Páscoa, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, disse ser “preciso limitar, tanto quanto possível, os contactos dos seniores”, enquanto não houver uma vacina para o novo coronavírus. “As suas orientações mantêm-se”, nota a socióloga Maria João Valente Rosa (ver entrevista). “Há sempre essa nuvem a pairar sobre os mais velhos…”
Eulália vê-se tranquilamente a ficar na Azóia até setembro, mas também vai gostar de voltar de vez em quando a Oeiras, onde espera não ser apontada a dedo na rua. “Não tenho a sensação de ser velha, sinto-me perfeitamente capaz de fazer as coisas. Se estou válida para tomar conta das miúdas, por que razão não posso ir comprar batatas? Não podemos ser colocados num gueto, como se fôssemos os grandes culpados da propagação do vírus. Não é justo.”

Maria João Valente Rosa demógrafa e antiga diretora do projeto Pordata, 58 anos
“Não podemos colocar
os idosos numa caixa singular”
A idade biológica conta mais do que a cronológica, lembra a socióloga
Devemos continuar a pedir aos mais velhos que se mantenham em casa, mais do que à restante população?
A Covid-19, pelo pouco que se sabe, é um vírus que tem particular incidência em pessoas mais frágeis do ponto de vista da saúde. E há uma ligação entre a idade e o risco. Mas extrapolar isso para a população em geral é abusivo porque a idade não é definida pela data de nascimento – a idade biológica conta mais do que a cronológica. Portanto, quando fazemos uma barreira nos 70 anos, estamos a usar uma barreira artificial. Não são todos os idosos, a ligação não é tão direta quanto isso. É incorreto e injusto mandá-los ficar em casa.
Mas vemos que são eles quem mais morre.
Quando olhamos para os dados que temos – que são poucos e contraditórios –, percebemos que grande parte das situações de morte aconteceu em lares de idosos. Portanto, são pessoas que já tinham uma saúde débil e a mobilidade reduzida. E que, num lar, muitas vezes com pouco espaço e em convivência com outras pessoas infetadas, são bombas atómicas. Acho estranho que se fique tão espantado pelo facto de os óbitos estarem a acontecer com mais intensidade nos lares, que são terrenos tão propícios.
A percentagem de mortes em lares é realmente enorme – 40% do total dos óbitos.
É preciso perceber quem são as pessoas que estão a morrer. A grande fatia é das pessoas mais velhas – cerca de 88% eram pessoas com 70 ou mais anos. Mas este padrão de comportamento da Covid-19 não é muito diferente do padrão de mortalidade. As doenças respiratórias são a terceira causa de morte em Portugal e 90% desses óbitos são de pessoas com 70 ou mais anos. Há uma incidência nas idades avançadas, sim. A idade em termos genéricos está associada a um aumento da prevalência de certas doenças, mas cada idoso é diferente do outro.
Quando começaram a morrer pessoas que nem tordos em Itália, veio logo alguém lembrar que é o país mais envelhecido da Europa. Faz sentido?
Não encontrei relação entre países mais envelhecidos e maior vulnerabilidade. Por exemplo, Portugal é um país quase tão envelhecido como Itália e não tem a mesma incidência. Em Itália, ela pode ser explicada por aspetos como o estilo de vida e as relações familiares. A verdade é que muitas vezes tentamos tirar ilações a partir da observação com pouca distância temporal. Queremos concluir alguma coisa, mas são conclusões precipitadas. Deixem pousar a poeira! Neste momento, pouco se sabe sobre o comportamento da Covid, até há variantes do vírus… É tudo muito plural, não podemos colocar os idosos numa caixa singular.