Alberto de Lorenzo, 39 anos, é nefrologista no Hospital Universitário de Getafe, em Madrid. Em entrevista à VISÃO, há duas semanas, dava conta do colapso que então via e sentia à sua volta: “Como uma onda de tsunami, súbita e abrupta, que nos apanhou completamente desprevenidos”.
Na altura, a 24 de março, o médico espanhol relatava o modo como as consultas e cirurgias não urgentes haviam sido canceladas, com os médicos das várias especialidades a ser orientados para o tratamento dos doentes com Covid-19. “Não há espaço para tanta gente. Temos cerca de 70 a 80 doentes à espera de uma cama e, por isso, chegam a estar três e quatro dias nas urgências. Trata-se de uma situação de rutura completa: aqui no hospital ficámos sem vagas nos Cuidados Intensivos e fomos obrigados a reestabelecer prioridades. Nessas decisões, começámos a considerar pessoas com 65, 70, 75 anos demasiado velhas, o que antes era impensável. Pessoas que, de outra maneira não morreriam, estão a morrer. E isso é um sinal claro do colapso que estamos a viver”, dizia.
Entretanto, o número de doentes à espera de um quarto chegou a atingir os 200, já com ingresso feito nas urgências. “Um sintoma do colapso absoluto que atingimos”, nota. Já esta semana, na quarta-feira, 8 de abril, Alberto de Lorenzo verifica uma diminuição dos casos, com as urgências mais descongestionadas. “Posso dizer que, no máximo, estão cinco a dez doentes na urgência e que, no máximo, ficam um dia à espera de um quarto. Embora continuemos com muita falta de camas nos Cuidados Intensivos e com poucos meios de proteção, parece-me que a situação tem melhorado. Julgo que as medidas de confinamento estão a dar frutos”, relata à VISÃO.
No Hospital Universitário de Getafe, um conjunto de tablets foi oferecido por uma empresa de telecomunicações. E é através desses tablets que alguns doentes, que não têm telemóvel ou que não sabem usá-lo, têm realizado chamadas de vídeo com os seus familiares. Isto acontece, claro, nas situações em que o estado de saúde dos doentes o permite. O médico Alberto de Lorenzo também está preocupado com a maneira solitária como vê morrer os doentes infetados com o novo coronavírus: “É francamente difícil vê-los morrer assim. São doentes que morrem sozinhos”. Não são permitas visitas a doentes internados, por causa do risco de as pessoas virem a transmitir a infeção quando saem do hospital.
Explica Alberto: “Por isso, nós apenas informamos os seus familiares acerca do seu estado de saúde por telefone. Quando a evolução é favorável, excelente. Mas, em alguns casos, estamos a reportar uma deterioração diária. Até ao momento em que lhes dizemos que a situação é irreversível, que estão a receber cuidados paliativos e que, nas próximas horas, será fatal… Isto gera imensa ansiedade nas famílias, o desgosto de não poder ver os seus doentes, não poder abraçá-los, dizer-lhes adeus”. Às vezes, nestas últimas horas de vida, conta Alberto de Lorenzo que dá tempo para deixar um familiar entrar no hospital. “Entra com material de proteção, mas tem de estar um metro de distância do doente, pelo menos. Está a ver o seu familiar morrer, mas não pode tocar-lhe, abraçá-lo… Não deve haver morte mais difícil, morrer sozinho.”