A ideia surgiu há cerca de duas semanas, numa conversa entre Rui Silvestre e a sua mulher, médica no Hospital de Faro. “Percebi a dificuldade que os profissionais de saúde têm, neste momento, em ter uma boa alimentação”, conta o chefe do restaurante Vistas, no Monte Rei Golf & Country Club, em Vila Nova de Cacela. Em alguns casos, lembra, “ficam alojados em hotéis longe das suas famílias, o que não lhes permite preparar as próprias refeições”.
Ficar a assistir, de braços cruzados, a esta dura realidade provocada pela pandemia do Covid-19 não era uma opção para Rui Silvestre que decidiu por mãos ao trabalho e fazer o que melhor sabe: cozinhar. “Já que não conseguimos seguir com a nossa vida e ter os nossos restaurantes abertos, vamos ajudar quem mais precisa”, sublinha. O Alimentar a Saúde, explica, “funciona como uma rede de solidariedade criada para confecionar e entregar comida, desde famílias carenciadas ao pessoal médico”. E a iniciativa quer chegar a todo o País. Para pôr o projeto em prática, Rui Silvestre conta com a parceria da empresa retalhista Makro, na doação da matéria-prima, e com o apoio do Banco Alimentar que, através da sua rede, vai fazer chegar estas refeições aos mais necessitados.
Reunidas as condições, é na cozinha do restaurante Vistas que está montado o quartel-general. Ao lado Rui Silvestre está uma equipa de 23 pessoas, entre funcionários do restaurante e voluntários, que vão prepararar pratos simples e de conforto. “É o que faz mais sentido”, refere. Além de sopa de espinafres e de dourada assada com legumes salteados, dois dos primeiros pratos confecionados, haverá creme de legumes, massada de peixe, bacalhau à espiritual, bolonhesa, bifes de peru com limão e puré, lasanha vegetariana, entre outros.
Das 200 refeições diárias inicialmente pensadas, serão afinal servidas 300. “Há cada vez mais pessoas a juntar-se ao Alimentar a Saúde” , conta Rui Silvestre que tem Noélia, do restaurante Noélia e Jerónimo, em Cabanas de Tavira, um dos seus braços-direitos. “Cada um está na sua cozinha mas estamos a trabalhar em conjunto e com o mesmo propósito”.
Por agora, a comida será entregue no Hospital de Faro e, caso seja necessário, também no Hospital de Portimão. Fora das unidades de saúde, é a rede do Banco Alimentar que “garante a entrega às instituições de Solidariedade Social de todo o Algarve”, explica Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, da qual faz parte a Rede de Emergência Alimentar, criada para dar resposta à situação de pandemia, a partir das Instituições de Solidariedade Social, das juntas de freguesia e outras entidades que prestam apoio. “Em dois dias. recebemos 580 pedidos de ajuda ao Banco Alimentar, principalmente da região de Lisboa e de Setúbal. Já há muita gente a precisar de apoio, muitos ficaram sem emprego e sem fonte de rendimento. E este número vai aumentar”, alerta Isabel Jonet.
Crescer para todo o País
Assim que a iniciativa de Rui Silvestre se tornou conhecida, outros chefes de cozinha portugueses quiseram-se juntar. No Porto, a ideia foi rapidamente acolhida por cerca de uma dezena de restaurantes como o Oficina, o Euskalduna Studio, o Atrevo ou o Boa-Bao que, nos últimos dias, doaram praticamente tudo o que tinham na despensa. “A nossa maior preocupação é conseguir parceiros que possam fornecer os ingredientes. Os restaurantes tinham alguns, mas desaparecerem rapidamente”, conta Marco Gomes, chefe do Oficina, o restaurante que tem funcionado como cozinha central deste projeto na zona norte e de onde, desde sexta-feira, 20, têm saído 200 refeições para serem distribuídas por paróquias e centros sociais.
Para que este projeto solidário possa ter continuidade, chefes de cozinha e proprietários de restaurantes têm-se multiplicado em telefonemas a fornecedores habituais para que possam doar ingredientes para a confeção das refeições. “Não basta ter vontade e dispor dos meios. É preciso a matéria-prima”, lembra Marco Gomes, em jeito de apelo.
Além da região do Algarve e do Porto, o Alimentar a Saúde chegará ainda a Santarém, com a ajuda de Rodrigo Castelo, da Taberna Ó Balcão, e a Lisboa com o contributo dos chefes Vítor Sobral e Justa Nobre. “Este projeto só faz sentido se for de norte a sul de Portugal. Há cada vez mais pessoas a querer fazer parte, e isso deixa-me feliz”, confessa Rui Silvestre.