Pedro Pimenta delineou um plano: percorrer toda a costa portuguesa a pé, de Monção a Vila Real de Santo António. São 940 quilómetros, que dividiu em 16 etapas, para cumprir até fevereiro deste ano, um fim de semana por mês. O ponto onde terminou a etapa anterior é sempre o ponto de partida da seguinte para todos os que o querem acompanhar.
Funcionário público, Pedro Pimenta, de 52 anos, é já um veterano das caminhadas – durante mais de uma década, liderou a secção de Pedestrianismo do Clube de Lazer, Aventura e Competição (CLAC) do Entroncamento, onde reside. Num registo informal, de impressões e pensamentos soltos, partilha agora, no site da VISÃO, uma espécie de diário desta aventura pela costa, ao mesmo tempo que nos brinda com belas fotografias e vídeos dos locais por onde passa (também os pode ver no site do projeto Costa a Pé).
Este é o relato da 14.ª etapa, entre a Praia da Luz e Armação de Pêra, realizada nos dias 28 e 29 de dezembro.
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Sexta, 27 de dezembro: para sul, com um toque asiático
Mais uma vez o expresso leva-nos para Sul. O tempo está um pouco cinzento. Eu e o António aproveitamos para dormir um pouco. Saímos cedo de Lisboa e até Lagos são quatro horas de viagem. O autocarro vai quase vazio e à medida que que nos aproximamos do Sul aparecem pessoas de várias etnias. Parece que estamos na Ásia: uns falam alto, outros ouvem música do próprio país, enfim, ambiente muito poliglota.
Na estação de camionagem em Lagos, apanhamos outro autocarro em direcção à Praia da Luz. O tempo está mais ameno, na simpática vila à beira-mar. Vem-nos à memória a triste história da Madie e imaginamos todo o rebuliço em volta deste povoado tranquilo.
Arrumamos as coisas num apartamento emprestado por um amigo e colega, o Luís Godinho. Dá-nos muito jeito: água, luz e gás, tudo ligado e preparado para duas noites. Saímos para procurar um local para almoçar, apesar da hora já adiantada. Escolhemos uma pizaria ali perto. Apesar de ser época baixa, alguns restaurantes estão abertos e os preços das refeições são de algum modo elevados.
De seguida, desmoemos um pouco e vamos conhecer melhor a vila e a praia. As palmeiras dão um toque tropical, mas não escondem o ambiente britânico desta terra.
Anoitece e voltamos a jantar no mesmo sítio, por sinal com um atendimento muito simpático. Já tenha a indicação de que o Luís Medeiros e a Idalina vão de madrugada ter connosco à Praia da Luz. Deitamo-nos cedo, pois espera-nos um dia espectacular.
Despesas: Transportes – €25; Refeições – €24
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Sábado, 28 de dezembro: Praia da Luz – Portimão, 35 kms
Nem é preciso despertador: às seis da manhã começamos a preparar as coisas. O António tinha dormido bem e despacha-se depressa. Eu como os meus cereais, pego na mochila pequena e saímos. A vantagem de termos um poiso fixo é que podemos deixar sempre a maior parte da carga para assim aliviarmos algum peso na caminhada. O encontro está marcado para as sete, em frente à igreja da Luz. E lá estão eles, aparecidos do meio de escuro. Esperamos um pouco até o sol nos mostrar o caminho.
Para começar, uma bela subida até ao marco geodésico que nos presenteia com uma belíssima paisagem da linha costeira. O tempo está limpo e as cores fortes, a do mar e a do céu. Espectaculares. Caminhamos por um planalto, de frente para o sol. A temperatura tolera-se de manga curta e calções, em pleno dezembro.
Rapidamente chegamos a Lagos onde paramos para beber um café. Passamos por uma ponte pedonal na Ribeira de Bensafrim, que nasce na Serra de Espinhaço do Cão. Também passamos pela velha estação da CP, que é uma pena não ser aproveitada para fins turísticos, encontrando-se em estado de degradação.
O caminho é agora plano e mais urbano. Depois de algumas centenas de quilómetros, estamos encostados à civilização. A Idalina vai tirando umas fotos, o António e o Luís conversam e contam histórias de outras caminhadas. Eu estou bem, sempre a deliciar-me com as surpresas que me traz esta grande viagem. Entramos numa zona com lodo, onde as pessoas andam de cabeça baixa a apanhar minhocas ou crustáceos.
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Tal como previsto, temos de dar uma grande volta, devido à Ribeira do Alvor. Mas não há melhor do que estar no terreno para escolher ou procurar alternativas. Junto à linha do comboio, há um carreiro que indica a passagem de pessoas com alguma frequência. Depois de conferenciar com o António, o Luís e a Idalina, arriscamos. Sabendo que é proibido e que dá direito a coima, atravessamos a ponte metálica do caminho-de-ferro. Poupamos mais do que uma hora, sempre são menos quatro quilómetros. O pior é que temos de caminhar na EN125, mas basta-nos 20 metros para passar para a outra margem. Sem colocar ninguém em perigo, vale a pena. A seguir, caminhamos pelas antigas salinas, ziguezagueando por um caminho batido ladeado de água.
Chegamos ao Alvor para almoçar. Sentamo-nos num muro de pedra junto às esplanadas e fazemos um pequeno piquenique. Falta a bebida. Arriscamos ir ao bar comprar umas cervejas. Por força, insistem em que nos sentemos no bar e para nos servirem as cervejas, vamos lá saber porque… Compreendi que a dois euros cada dá direito a sentar, mas preferimos beber fora do perímetro, a ver a praia. O abastecimento é atum com ovo cozido, batatas e maçã. Ficamos por ali uma meia hora, a comer nas calmas. Falta o café. Voltamos ao bar e só nos dão o café na mesa, a um euro cada. Enfim, sem mais comentários, para frente é que é o caminho. Lembro-me muitas vezes das gentes do norte…
Avançamos por um trilho muito sinuoso, cheios de algares, pequenas praias e muita gente a circular. Portugueses e estrangeiros, especialmente grupos de espanhóis em grupo e com guia. O tempo continua óptimo. Vemos alguns turistas a fazerem este percurso até à Praia da Rocha. É lindíssimo, muito rendilhado, um pouco trabalhoso, mas muito variado, sempre entre as habitações e as falésias. Estas sempre bem sinalizadas, devido às derrocadas.
Tinha recebido um telefonema de um amigo que queria estar à minha espera em Portimão para bebermos um coepo. É lá que terminamos. Um pouco antes da Praia da Rocha, andamos um pouco mais para o interior, a inventar um bom trajeto até à praia. E finalmente ali está ela. Seguimos perto uns dos outros, estamos em cima dos 30 kms e ainda falta aproximadamente uma hora ate Portimão. Andamos pela marginal, enquanto eu recuo uns 45 anos no tempo, quando aqui fazia férias com os meus pais e tios, época da inocência.
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Sempre com um pouco de ansiedade à medida que a meta se aproxima, pisamos finalmente o calçadão de Portimão. Estamos todos cheios de sede. Vejo o meu amigo Jorge Bernardino e sai um grande abraço à nossa chegada. Sentamo-nos na esplanada de Casa do Inglês e quase morremos à sede. Perto de 30 minutos à espera, e nada. Mudamos para o quiosque da frente e aí, sim, a vingança serve-se gelada. Beber assim cerveja à caneca no Inverno pode parecer estranho, mas faz calor e tínhamos mais de 10 horas de marcha nas pernas.
O Luís e a Idalina hospedaram-se na Pousada da Juventude e tinham passado mal a noite. O Bernardino dá-nos boleia até lá. Dali o Luís oferece-se para nos levar de regresso até à Aldeia da Luz. Esperamos um pouco por eles, entre a gritaria de dezenas de miúdos escuteiros que também ali estavam a pernoitar. Condições difíceis para dormir.
Chegamos à Praia da Luz já de noite. Eu e o António tomamos um banho rápido, enquanto o Luís e a Idalina passeam pela vila. Encontram o padre da paróquia e conversam sobre o passado e o futuro, com direito a visitarem a igreja. Imaginem onde jantamos? Isso mesmo! Outra vez na pizaria. Só muda a comida. Ficamos gratos pelo transporte e companhia. Antes de irmos dormir, ligo para o serviço de táxis a pedir um serviço para domingo às seis horas da manhã. Uma nova aventura aguarda-nos.
Despesas: Refeições – €15; Outras – €10
VEJA A GALERIA DE IMAGENS DESTE DIA:
Domingo, 29 de dezembro: Portimão – Armação de Pêra, 27 kms
Acordamos às cinco da matina, arrumamos todo o equipamento, pegamos nos sacos e vamos em direcção à igreja, à espera do táxi. Novo dia, nova caminhada. De táxi até Lagos e, depois, de autocarro até Portimão. Tomamos o pequeno-almoço ainda em Lagos e vamos ao encontro de mais um companheiro, o Arlindo Garcia. Aguarda-nos no início da ponte do Rio Arade e fica satisfeito com a nossa presença ali, assim como nós gostamos de vê-lo. O Luís e a Idalina esperam-nos em Portimão para colocarmos a bagagem no carro deles, porque mais tarde hão de dar-nos boleia até Lisboa.
Depois de Ferragudo, começa o carrossel. Um sobe e desce constante, a obrigar-nos a visitar quase todas as praias que ficam sempre num fundo. Sem dúvida, pequenas mas lindíssimas, de acessos restritos, com arcos, túneis, grutas e algares. O trilho por vezes torna-se mais técnico. Sempre cheio de turistas, à medida que nos aproximamos da hora de almoço.
Cada vez estamos mais dentro do aglomerado populacional da região. Se até aqui olhávamos mais para as praias, agora também apreciamos as casas, de arquitectura apurada mesmo junto às falésias. O tempo continua bom, apesar de algum vento. As árvores torcidas são sinal de outros ventos. Uma costa rica em arvoredo devido à intervenção do homem. Há outro tipo de beleza, podia chamar-lhe “microbelezas” naturais.
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Almoçamos na Praia do Carvoeiro e aí bebemos uns canecos num bar com música dos anos 80. Continuamos a deliciar-nos com as paisagens. O ritmo é calmo e não podemos distrair-nos com as fotos porque existem buracos e ravinas perto do trilho. O Arlindo acompanha-nos e combina com a mulher para ela ir ter connosco a Armação de Pêra.
Apesar da distância ser mais curta do que no dia anterior, os pés estão doridos e começam a aparecer algumas dores nos tendões após algum esforço. As subidas são bastante inclinadas mas curtas. Cada “micropraia” é um pequeno paraíso. Imagino o movimento no verão, cheias de pessoas e de carros. Nesta altura dá para ver todo o areal, toda a água da rebentação. Só alguns estrangeiros tomam banho, mas um dia de sol faz sempre com que as pessoas tragam as toalhas e se deitem um pouco a apanhar sol.
Estamos próximos do fim, já se vê Armação de Pêra. Parece já ali, mas é uma ilusão. Mais pinheiros, mais pessoas, mais vida à beira-mar. Prosseguimos em fila indiana, sempre à procura do caminho certo e o mais direto para chegar ao destino. Turistas cumprimentam-nos, alguns com uns “Hello”… Continuamos aos “esses”, falésia abaixo, falésia acima.
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Ao chegarmos a Armação, no meio de tantos carros, aparece o do Arlindo, com a mulher ao volante. Grande sorte. Ele acompanha-nos pela marginal até ao fim, tiramos a foto de grupo com toda a gente a olhar para a nossa alegria de mais uma etapa cumprida. O Arlindo oferece-se para nos dar boleia até Portimão… que bom! Mas antes sentamo-nos na esplanada de uma pastelaria, comemos uns bolos e bebemos sumos.
Em Portimão, mudamos de carro, desta vez à boleia do Luís e da Idalina, e arrancamos para Lisboa. Um regalo. Para eles também é cansativo: depois de um fim de semana a bombar, o regresso à capital. Eu e o António seguimos descansados no banco de trás e ainda dá para passar pelas brasas. O Luís deixa-me na Estação do Oriente e chego a casa às 23h30. Obrigado Arlindo e restantes companheiros pelo companheirismo e pelo transporte de regresso. Assim as coisas tornam-se mais leves.
Despesas: Táxi – €20€; Transportes – €25; Refeições €10
VEJA A GALERIA DE IMAGENS DESTE DIA:
As 16 etapas do projeto Costa a Pé:
1) 26 e 27 de janeiro: Monção – Caminha – Viana do Castelo, 47 + 27 kms
2) 23 e 24 de fevereiro: Viana do Castelo – Póvoa de Varzim – Porto, 53 + 42 kms
3) 23 e 24 de março: Porto – Ovar – Aveiro, 44 + 38 kms
4) 25, 26, 27 e 28 de abril: Aveiro – Tocha – Figueira da Foz – Pedrógão – Nazaré, 47 + 38 + 38 + 45 kms
5) 25 e 26 de maio: Nazaré – Peniche – Ribamar, 51 + 36 kms
6) 8, 9 e 10 de junho: Ribamar – Ericeira – Almoçageme – Cascais, 36 + 27 + 27 kms
7) 13 de junho: Cascais – Lisboa, 33 kms
8) 22 e 23 de junho: Trafaria – Meco – Sesimbra, 30 + 25 kms
9) 20 e 21 de julho: Sesimbra – Setúbal – Comporta, 30 + 28 kms
10) 24 e 25 de agosto: Comporta – Santo André – Porto Covo, 36 + 34 kms
11) 21 e 22 de setembro: Porto Covo – Almograve – Odeceixe, 35 + 37 kms
12) 26 e 27 de outubro: Odeceixe – Chabouco – Vila do Bispo, 35 + 31 kms
13) 23 e 24 de novembro: Vila do Bispo – Sagres – Lagos, 33 + 37 kms
14) 28 e 29 de dezembro: Lagos – Portimão – Armação de Pêra, 28 + 27 kms
15) 25 e 26 de janeiro de 2020: Armação de Pêra – Quarteira – Olhão 31 + 35 kms
16) 23 e 24 de fevereiro de 2020: Olhão – Cabanas – Vila Real de Santo António 35 + 25 kms