Multiplica-se a oferta de iogurtes com probióticos, cuja principal função é manter as boas bactérias no organismo, regulando a flora intestinal. Além dos probióticos em iogurtes, também os encontramos em bebidas fermentadas (como a kombucha, feita a partir de chá preto ou verde), nos pickles (legumes fermentados nas suas próprias bactérias numa solução de água e sal), no kéfir (produto fermentado feito com leite e grãos de kéfir), no vinagre de maçã ou na coalhada. São mais de 200 as bactérias importantes que no nosso corpo facilitam uma série de processos. A mais recente novidade passa por encontrar os probióticos como um ingrediente de destaque nos cremes de rosto e de corpo, cada vez mais utilizados pelos gigantes da indústria da beleza.
De cada vez que tomamos banho com um gel convencional – feito com produtos como o lauril éter sulfato de sódio (sodium lauryl ether sulfate, SLES) e derivados do petróleo como a parafina líquida ou petrolatum – além de retirar as impurezas da pele, arrasta também a sua proteção natural, o filme hidrolipídico: uma junção de lípidos e água que forma a camada natural de proteção da pele, responsável pelo pH específico de cada pessoa. Já os derivados do petróleo, que criam o efeito lubrificante artificial, vão servir de tampas que impedem as células de se regenerar.
“Os SLES são tão poderosos a remover a gordura que são utilizados em detergentes de loiça e nos produtos das oficinas de automóveis para retirar os óleos do chão”, explica Liliana Dinis, fundadora da Saponina, em 2017, marca de cosmética biológica, a que deu o nome da molécula que faz naturalmente espuma. Formada em Cosmetologia e depois de ter trabalhado mais de 20 anos na indústria da cosmética de luxo, uma das mais poluentes do mundo, Liliana Dinis conhece a fundo a indústria que agora começa a usar “os probióticos como equilibradores da nossa pele”. A sua presença na camada à superfície da pele, onde estão as boas bactérias, ajuda a fortalecer, a hidratar, a alimentar e proteger a pele de agressões externas, como o sol, o vento, a poluição ou o ar condicionado, garante. “Os probióticos funcionam muito bem em sinergia com outros ingredientes. Como se decompõem na superfície da pele, criam novos ingredientes, como o ácido hialurónico e vitaminas, além de aumentarem a presença de ceramidas. Por sua vez, isso reduz os sinais de envelhecimento, melhora a hidratação e desperta a boa luminosidade da pele”, explica a dona da Saponina.
Os fermentados da Ásia
Este é um negócio em expansão a acompanhar as preocupações dos consumidores, que valorizam cada vez mais o estilo de vida saudável e natural. O mercado de cosméticos probióticos, embora ainda tenha uma baixa participação, cresceu mais de 300% de 2015 a 2019, segundo dados da Mintel, empresa de estudos de mercado. “Nas marcas em que trabalhei sempre existiu a preocupação de investir em investigação para procurar os melhores ingredientes para determinados efeitos pretendidos, fosse combater o envelhecimento e a sensibilidade, dar luminosidade à pele ou controlar o aparecimento de manchas”, lembra Liliana Dinis, depois de vários anos no grupo Roudolph Arié (na altura com a Carita, a Hermès, a Shiseido) e na francesa Clarins.
“Muitas marcas já usavam ingredientes de origem natural, muitas plantas, mas ainda combinados com uma grande dosagem de químicos na sua base. Se usassem só ingredientes naturais, não conseguiriam alcançar as grandes margens de rentabilidade”, acrescenta. Quando trabalhou com a Clé de Peau Beauté, marca de luxo do universo Shiseido – com cremes que custavam à volta de €500, com poucos pontos de venda no mundo –, Liliana Dinis teve oportunidade de visitar os laboratórios no Japão, onde lhe explicaram tudo: porque usavam determinado ingrediente, como funciona na pele… “O uso de probióticos em produtos de cosmética exige uma formulação muito cuidadosa devido à sua instabilidade inerente, pois são muito frágeis e deterioram-se facilmente em contacto com a luz e o ar.”
É precisamente a Ásia, onde a tendência é mais forte, que tem vindo a influenciar a indústria da beleza. “Lá os alimentos fermentados são usados para fins medicinais, pois os orientais acreditam que a comida é um remédio. O mesmo raciocínio se estende aos cosméticos”, salienta Saisangeeth Daswani, investigadora da Stylus, empresa de consultoria em inovação e tendências. A Ocidente são já várias as marcas que apostam nas bactérias para tratamento da pele, como a inglesa Aurelia e a americana Tula. Fazendo uma breve pesquisa pelas perfumarias nacionais, encontram-se outras como Anne Möller, Clinique, Lancôme e Elizabeth Arden. Também a Dove divulga os seus produtos como “suaves para microbiomas”. “É uma tendência crescente, mas vale a pena lembrar que o Crème de La Mer, da marca La Mer, por exemplo, usa algas marinhas fermentadas na sua fórmula há décadas”, nota Saisangeeth Daswani.
Deixar de tomar banho é a consequência mais radical por parte de quem usa estes cremes ricos em probióticos
Banho? Só quando o rei faz anos
Nos últimos 50 anos em Portugal, com a implementação do saneamento básico e o acesso facilitado à água canalizada, tornou-se um hábito tomar duche uma vez por dia, pelo menos nos meios urbanos. Agora, já em pleno século XXI, deixar de tomar banho é a consequência mais radical por parte de quem usa estes cremes ricos em probióticos. São cada vez mais as pessoas que optam por deixar de tomar um banho por dia, reduzindo o número de vezes que se lavam durante a semana, apenas para preservar a camada protetora da pele. Mas é preciso não esquecer que a pele deve ser lavada. E se os pós e os resíduos solúveis saem com uma breve passagem por água, já a gordura e as células mortas precisam da ajuda de um detergente – esse sim, não deve ser agressivo. A escolha do sabonete ou gel adequado (com um pH de 5,5, o mais próximo do da pele) fará maior diferença na proteção e na alimentação da pele do que abdicar de tomar banho.
“A população de micróbios bons nos cremes vai ajudar a diminuir a probabilidade de inflamação da pele”, explica Leonor Girão, dermatologista. “Os probióticos competem com os micróbios patogénicos e também com os nutrientes, pelo que banhos em excesso tornam essa luta desigual”, acrescenta.
Serão os probióticos anunciados nos boiões, frascos e bisnagas de cremes suficientes para o efeito biológico desejado? Leonor Girão explica que só a concentração de uma colónia na ordem dos milhares de probióticos resulta, e por enquanto são poucas as marcas a revelar esses valores. É como fazer um bolo com uma vagem de baunilha de Madagáscar ou com umas simples gotas de extrato de baunilha.
Os benefícios destes produtos
São vários os gigantes da indústria da beleza a apostarem nos probióticos
1
Camada protetora
Repõem o filme hidrolipídico: uma junção de lípidos e água que forma a camada natural de proteção da pele, responsável pelo pH específico de cada pessoa
2
Equilibradores da pele
Ajudam a fortalecer, hidratar, alimentar e proteger a pele de agressões externas, como o sol, o vento, a poluição ou o ar condicionado. A sua sinergia com outros ingredientes cria novas substâncias, como o ácido hialurónico e as vitaminas, além de aumentar a presença de ceramidas
3
Menos inflamação
Diminui a probabilidade de calor e de vermelhidão da pele