Matar o tempo a conversar, como se faz enquanto se espera pelo autocarro. Falar de nada e no fim perceber que se falou de tudo. Começar por um tema e acabar noutro, com muito subtexto pelo meio. Não pensar que as conversas são como as cerejas, mas a comida acabar por vir à baila porque ela é coisa natural e de todos os dias. E rir, rir sempre muito.
Miguel Esteves Cardoso gosta de comer, mas será que Bruno Nogueira também? A pergunta há de ficar por fazer de propósito no dia em que entrevistamos ambos, à frente do restaurante Belcanto, no Chiado, em Lisboa. O escritor e o humorista tinham acabado de gravar a última conversa do programa de televisão Fugiram de Casa de Seus Pais (RTP) e haveriam de almoçar na cozinha de José Avillez. Lá dentro, na hora e picos que o realizador Sérgio Graciano editará para 40 deliciosos minutos, os dois terão falado de comida, aposta-se. Mas quando os encontramos cá fora, no Largo de S. Carlos, só o escritor irá mencionar umas tostas com foie gras doutros tempos e doutra história.
Para confirmar se Bruno Nogueira gosta de coisas boas à mesa vamos ter de ver, a partir de 5 de dezembro, as doze-conversas-mais-uma que ele manterá com Miguel Esteves Cardoso, sempre ao serão de terça-feira. Com eles estarão, à vez e sem ser por esta ordem, o próprio José Avillez, Gisela João, Nuno Markl, Rodrigo Guedes de Carvalho, Capicua (Ana Matos Fernandes), José Pedro Gomes, Rita Blanco, Ricardo Ribeiro, Ana Bola, Mário Laginha, Júlia Pinheiro e Miguel Guilherme. À décima terceira conversa, os dois ficam a falar sozinhos, à mesa do Belcanto, e foi por isso que os encontrámos ali, na última sexta-feira, 24.
Quando saíram do restaurante não vinham cansados, vinham ainda engatados na conversa. E, qual Dupond e Dupont, ainda com as falas feitas deixas. Ao fim de cinco minutos já tínhamos percebido que dão-se bem a conversar um com o outro, e não nos admiramos ao ouvi-los dizer que tanta conversa chegou e sobrou para se conhecerem melhor e ficarem amigos.
“O ponto de partida foi não nos conhecermos”, diz Bruno Nogueira, que ao longo de dois meses apareceu com alguma regularidade em casa de Miguel Esteves Cardoso, em Colares, armado de câmara, tripé e perche, a fingir-se de realizador. Essa era a única parte ficcional do programa, porque a partir daí tudo o mais era verdade – a começar pela não-existência de um tema pré-definido.
“Conversámos sobre o amor, a educação, o envelhecer, a pressa…”, conta o escritor. “É uma small talk que não costuma estar na televisão. E é um trabalho de realização. Uma pessoa diz muito disparate, muita merda e tac!, cortas. Sabes que pode ser cortado, não tens vergonha. É a maneira de pôr as pessoas a falar com toda a rede… O Bruno tirou-me o medo, porque só não gosto de televisão por vaidade. Quando sai mal, não dá para ir atrás e corrigir.”
Ao longo dos treze encontros “há um diálogo verdadeiramente”, dirá o humorista que “foi quem teve a ideia de tudo” (MEC dixit). “Se soubermos que podemos filmar uma hora para aproveitar 40 minutos, tranquilizas. Não sentimos a necessidade de sermos extremamente interessantes sempre. É estar a gostar de conversar… é um riso verdadeiro.”