Ouve-se falar cada vez mais dos chamados superalimentos – produtos que têm, supostamente, elevadas concentrações de nutrientes essenciais como minerais, vitaminas e antioxidantes, que há centenas de anos fazem parte da identidade e da dieta básica de povos da América do Sul, Índia e África, mas que começam a tornar-se ‘virais’ no Ocidente.
O problema é que o aumento da procura destes produtos está a limitar os povos que os usam como fonte de nutrientes, por não conseguirem acompanhar os preços exorbitantes praticados atualmente, pressionados pelo súbito apetite dos países mais ricos. Se antes se sentiam seguros na sua fonte de alimentação, hoje em dia já há muita gente privada do indispensável para sobreviver.
Na verdade a propagação de alimentos como a quinoa, o açaí e tantos outros que estão a ser trazidos pelas grandes indústrias da alimentação para as nossas casas está a obrigar os povos que historicamente as apanham ou cultivam a alterar a sua dieta. Este conflito de interesses está a provocar uma competição de recursos entre os consumidores urbanos e os originais consumidores – uma luta desigual. Estes são os casos mais preocupantes:
Açaí: Maioritariamente produzido no Brasil, cresce naturalmente na Amazónia e tem sido há muito um alimento-chave para as populações rurais. Mas a sua globalização está a excluir do mercado os pequenos produtores da região, que não conseguem acompanhar as grandes empresas. À medida que a comercialização cresce, também o valor tem aumentado, e o seu papel como base nutricional para as populações de baixo rendimento está ameaçado.
Quinoa: Originária da Bolívia, a quinoa tem sido produzida por povos indígenas como os quechua e os aymara durante décadas. A sua popularidade e a necessidade de exportação para todo o mundo tem obrigado à produção em massa, e levado estes povos a vender a mais do dobro do preço praticado anteriormente. Apesar de a quinoa se ter tornado famosa pelos seus nutrientes, a região onde cresce – a mais desnutrida da Bolívia – não consegue agora comprar as próprias colheitas.
Tara: Apesar de ainda não se ter difundido em Portugal, a Alpinia nigra, ou tara, é proveniente da Índia e tem alimentado milhões de pessoas ao longo dos tempos. Os adivasis, que a têm como fonte de proteína e nutrientes, dependem desta e de outras plantas para sobreviver, mas hoje já não sabem como avaliar o seu produto, que começa a ser recolhido livremente das florestas para atender às necessidades dos novos consumidores.
Teff: Um cereal que começa a ganhar terreno no mundo dos “superalimentos” e que já é conhecido por muitos como a próxima quinoa. Mas o teff é a base da dieta dos etíopes há mais de 3000 anos. E, num país onde os recursos escasseiam, um aumento dos preços pode levar a sérias consequências humanitárias. Assustado pelo que está a acontecer na Bolívia com a quinoa, o governo etíope já está a tomar medidas para que a população local não tenha de sacrificar a sua alimentação a favor dos europeus e dos americanos.