Apesar do impacto que o seu triplo salto olímpico teve nos portugueses, Patrícia Mamona quase passa despercebida no bar da Impresa, onde mata a fome à volta de um galão e um pastel de nata, antes da sessão fotográfica no estúdio. Está vestida de calções pretos, camisola branca e ténis, claro. Como qualquer jovem da sua idade, está bastante atenta ao smartphone, que só larga enquanto posa com categoria para a câmara, como uma modelo profissional. Apanhámo-la – para fazer a capa desta edição da VISÃO sobre os benefícios e a nova ciência do exercício físico – no mês em que tudo lhe é permitido, até comer fast food.
Em pequena sempre foi muito mexida. Mas quando é que acordou para o atletismo?
Por volta dos 10 anos fiz o corta mato da escola e acabei em primeiro lugar. Nessa altura, o treinador do JOMA (Juventude Operária do Monte Abraão), um clube de formação que andava à procura de atletas e que ficava perto da minha casa na Agualva, convidou-me para ir experimentar atletismo.
Quando pensou fazer do desporto vida?
Aos 16 anos, pensei em seguir essa carreira, não profissionalmente, porque em Portugal é um bocado difícil conjugar o desporto com a escola e arranjar fundos e patrocínios. A dedicação tem de ser quase a 100% para ter um nível que permita viver só do atletismo. Dois anos depois, fui ao mundial de juvenis e fiquei entre os finalistas. Recebi então um convite de uma universidade nos EUA, onde era possível estudar e treinar ao mesmo tempo. Cá, tinha acabado de entrar em medicina, estava a ser super complicado, e sentia-me prestes a desistir. Ainda por cima não tinha carro e perdia imenso tempo nos transportes para a universidade.
Foi a própria universidade que a convidou ou candidatou-se?
Tive até vários convites, mas escolhi a Universidade de Clemson, na Carolina do Sul, porque tinham formado a campeã nacional do ano anterior. Estava com fé que poderia conseguir o mesmo e acabou por acontecer, mas só quando mudei de treinador.
Foi aí que se especializou no triplo salto?
Nos EUA ainda fazia de tudo. Só quando fui vice-campeã da Europa, no mesmo ano em que me apurei para os Jogos Olímpicos de Londres, é que percebi que tinha mais dotes no triplo salto.
Quando regressou dos EUA?
Estive lá cinco anos, quatro deles a estudar (a fazer o Pre-medical, que é apenas a licenciatura, depois há que fazer mais quatro anos de especialidade). Como não me deram equivalências, fiquei mais uns tempos só a treinar triplo salto. Só que essa exclusividade fazia-me muita impressão e por isso regressei a Portugal para continuar a estudar e inscrevi-me em engenharia biomédica.
Quando é que o Sporting aparece na sua vida?
Mais ou menos nesta altura. A JOMA estava com problemas financeiros, eu precisava de escolher se queria fazer carreia no atletismo e lá não ia conseguir. Tive um convite do Sporting, assim como o meu treinador, e as coisas começaram a encaixar melhor e a especializar-me no triplo salto.
Em que pé está o curso?
Espero acabá-lo brevemente, mas estive em stand by para me preparar para os Jogos Olímpicos e para as boas marcas.
Ainda assim, é possível ser atleta profissional e boa aluna?
Temos vários exemplos disso, mas é preciso ser organizado e comunicar com os professores e treinadores – aprendi isso nos EUA.
Depois deste mês de férias, em que tudo lhe é permitido, que ritmo diário a espera?
Este ano de Jogos foi muito intenso – cheguei a ter 11 treinos por semana. Agora preciso de recuperar e tudo vai ser mais calmo. Só devo ter dois treinos bidiários por semana, o que dá para, por exemplo, ir para a escola de manhã, descansar um bocadinho, treinar, fazer recuperação, descansar mais um bocadinho e dormir. Quando tiver treinos bidiários, terei de avisar os professores, porque já sei que não consigo ir a todas as aulas teóricas. Mas como sempre fui muito estudiosa, não me prejudico muito por faltar a essas aulas…
Que benefícios lhe trouxe o desporto?
No início trouxe-me muitos, essencialmente mentais: ser capaz de fazer as coisas a seu tempo, sermos organizados, ganhar capacidade de sofrimento, de trabalho. O desporto de alto nível dá-nos estas capacidades, que depois podemos aplicar na vida profissional e pessoal.
No que toca à saúde, o desporto de alta competição torna-se arriscado, porque puxamos pelos nossos limites e pode ser perigoso. Eu faço muitas análises de check up para ver se está tudo bem com o coração e o sangue.
Quem manda fazer essas análises?
Ninguém. Sou eu e o meu treinador que queremos estar em cima do acontecimento, para prevenir lesões e doenças. Não queremos overtrainning – isso pode estragar uma época ou a saúde.
O que se pode fazer se as análises não estiverem boas?
Descansar mais, por exemplo, ou tomar um multivitamínico. E tenho apoio a nível fisioterapêutico, psicológico e nutricional.
Além da componente física, que tipo de preparação tem de fazer para ser uma atleta de alta competição?
A grande diferença entre a Patrícia de há dois anos e a de agora é a postura mental. Tive muito apoio psicológico. Não chega ter talento, há que puxar pela nossa mente, ser confiante e superar-se a si mesmo.
Quem dá esse apoio?
É a Federação. Mas mesmo antes disso, já tinha tido nos EUA. O apoio familiar também é bastante importante. Sou uma atleta capaz de confiar no meu corpo e em mim.
Estamos a falar de mental coachers?
É por aí. A atitude conta muito. Quando se confia, as dores desaparecem e fica-se tão zen que o corpo faz coisas surpreendentes.
Como é que se convence um atleta acreditar em si próprio?
Essa é a parte mais complicada. Não basta chegar alguém de fora e dizer para acreditarmos em nós. Há que sentir. E eu tenho alguma dificuldade em manter-me nesse tal estado zen, mas como sou muito competitiva e não gosto de perder, supero-me nos momentos mais importantes para mim.
O que pensa no segundo antes do salto?
Depende da competição. Nos Jogos Olímpicos não pensei em nada, só em dar tudo. Antes de saltar, se estou ansiosa, olho para o meu treinador e ponho o pé para trás para correr mais rápido. Depois costumo pedir apoio ao público e normalmente é quando corre tudo melhor.
E no ar, o que se sente?
Não sinto nada. O meu treinador pede-me, quando faço bons saltos, para reter essa sensação, e eu não consigo porque não me lembro. Estou tão focada em saltar muito, nem me apercebo do que faço.
Que restrições alimentares tem?
Este ano tive de arranjar uma boa relação peso-força, ideal para saltar muito, que no meu caso são 59 quilos. Normalmente as triplistas são altas e magras e eu sou baixinha e robusta. Se estiver magra, tenho menos força e não consigo saltar; se estiver mais entroncada, tenho muito peso e não consigo elevar o corpo na mesma.
Como é que se consegue esse equilíbrio?
Cortando em hidratos de carbono muito pesados, de absorção rápida, trocando a batata por batata doce, evitando o pão branco. Há muita coisa que não posso comer e outras que tenho mesmo de comer para ter os nutrientes necessários. Se estiver em pré-epoca, por exemplo, terei mais liberdade nos hidratos, porque os treinos são muito intensos e preciso deles para os músculos. Na altura das competições, haverá mais restrições porque devo manter o peso estável.
E o repouso?
É a parte mais essencial do atleta. Só aí se consegue a forma e não a treinar, treinar, treinar.
Ainda lhe sobra tempo para fazer as coisas típicas da sua idade?
Há tempo para tudo, mas estou tão focada no meu objetivo que não me faz muita falta sair à noite. Além disso, os meus amigos são quase todos atletas e o meu namorado também, por isso conhecem bem estas rotinas. Estou frequentemente cansada, só me apetece chegar a casa, deitar-me, e ver umas séries ou um filme. No entanto, não deixo de gostar de ir ao cinema, à praia, dar um passeio, jantar fora. Nas férias, posso comer, dormir e sair à vontade. Aproveito esse tempo e sabe-me muito bem quando a época me correu muito bem.
Costuma viajar, ou só quando vai às provas?
Como a minha família, pais e irmãs, vive em Inglaterra, aproveito todas as folgas para lá ir para matar as saudades. Em prova, depende dos sítios. Se for mais longe, temos de ir mais cedo por causa do jet lag e então aproveito para conhecer os sítios.
E agora, no meio dessa vida, ainda vai ser uma das apresentadoras do Fama Show, na SIC, a partir de outubro. Só vai entrevistar desportistas?
Quando aceitei o desafio, fiz questão de frisar que sou atleta e que a minha prioridade são os treinos. Mas como normalmente, temos pouca atenção por parte dos media, achei que era uma boa oportunidade para mostrar os nossos atletas e as suas dificuldades.
Também está agenciada na Face Models…
Em tempos, fiz uma produção para a Bola TV com a estilista Fátima Lopes. Por isso, acabei agenciada, mas garanto que não vão ver-me a fazer trabalhos de moda, porque esse não é o meu meio.