No Funchal, não se tinha bem a noção do que se passava no resto da ilha.
“Uma coisa é o que se vê na televisão, outra é estar lá”, conta Pedro Tavares da Silva, o morador do Monte que na terça feira, 9, esteve sabe lá quanto tempo no meio das chamas. A certo ponto, teve de desistir e fugir. Chegou ao Funchal todo negro de fuligem, exausto e o braço direito com uma queimadura. Precisava de beber e foi para o Clube de Turismo, aquele spot, junto ao mar, onde costuma encontrar-se com os amigos e dar uns mergulhos. Os amigos e familiares que lá encontrou, iam saindo da água de fato de banho, bronzeados, com a descontração habitual da época estival. Ao vê-lo, “ficaram brancos”, garante. “Só aí se aperceberam do que se estava a passar no Monte”.
Já se chamou Nossa Senhora do Monte, por se ter desenvolvido à volta da igreja. Hoje é apenas “Monte”, uma freguesia do Funchal situada na encosta norte que serve de pano de fundo ao anfiteatro da capital madeirense. É de lá que saem os tradicionais carrinhos de cesto, que descem, pelos caminhos empedrados, dos 500 ou 600 metros de altitude até ao nível do mar, no Funchal. Também é conhecido pelos seus jardins românticos, cheios de buchos. É uma espécie de Sintra da Madeira. Foi lá, aliás, que o imperador Carlos de Áustria se exilou, com a família, em 1920, quando foi implantada a república no seu país. A Quinta do Imperador – onde viveu até morrer, um ano depois – desapareceu nessa terça feira negra, no meio das chamas.
Apesar de conhecido pelos seus encantos botânicos e o clima ameno (foi local tradicional de férias de verão para muitas famílias do Funchal), o Monte, ultimamente, não tem sido poupado pela Natureza. Há dois anos, já havia sido visitado pelo fogo. E em 2010, a capela da Nossa Senhora da Conceição, nas Babosas, foi levada, com outras casas, pela força das águas, deixando intacta, tão somente, a imagem da Santa, encontrada, por populares, no Funchal.
Do Monte (das Babosas), avista-se a Choupana, que se situa do outro lado de um vale – o Curral dos Romeiros. Tal como o Monte, está instalada no topo de uma colina e tem uma vista soberba sobre o Funchal. Foi lá que foi construído o Choupana Hills – Resort & Spa, o hotel-refúgio de luxo que durante dois anos consecutivos recebeu a distinção “Europe’s Leading Boutique hotel”. O hotel ardeu.
Do outro lado da rua, no topo do terreno, a casa de família e as quatro casinhas onde Martim e Mónica Cardoso recebem turistas, mantiveram-se graças à persistência dos seus proprietários e ao conhecimento que Martim, engenheiro agrónomo, tem dos elementos (é velejador) e daquelas terras.
Não se tratava apenas da casa que pertencia aos seus avós. Para Martim, que herdou o terreno e lá vive desde que casou, há 20 anos, tratava-se de toda uma vida repleta de recordações, memórias, vivências. Todo um património familiar (imobiliário, mas sobretudo emocional) que Martim se recusou a ceder às chamas. Deu-lhes luta durante mais de 10 horas, tal como havia feito, há 25 anos, ao lado do seu pai.
Lá em baixo, no Funchal, foi bem diferente. Na Pena, Marcos Silva e Cristina Freitas não tinham nem experiência nem a mínima ideia do que os esperava. Marcos vivia naquela casa (então alugada) desde os seus cinco anos (hoje tem 38). Entretanto, comprou-a e restaurou-a com cada pataca que ia arrecadando. Terça feira à tarde, estava em casa com a mulher, Cristina, e a filha, Mariana, quando se ouviram as primeiras notícias de que o fogo ameaçava chegar à Pena. Nunca acreditou que chegasse. Ficou descansado até sair de casa para dar boleia a uma avó aflita com a tosse de uma neta. Quase não conseguiu voltar a subir a rua, tal era a confusão da debandada.
Este ano, o fogo começou em S. Roque (uma parte alta do Funchal), atravessou serras e vales e chegou ao centro do Funchal. Maltratou a Pena (freguesia de Santa Luzia, onde morreram quatro pessoas) e ainda conseguiu alcançar S. Pedro, no centro histórico da cidade. Depois de fustigar o sul da ilha, passou para a costa norte. Hoje, sábado, 13 de agosto, é o primeiro dia, para já, sem notícias de fogo na ilha da Madeira.