Lembra-se quando Leonardo DiCaprio, na pele de “lobo de Wall Street”, se diverte numa festa regada a álcool e drogas a arremessar um anão, no open space de uma empresa de especulação financeira? A cena do filme reproduz um popular – e compreensivelmente polémico – jogo, muito em voga nos EUA nas décadas de 80 e 90: o “arremesso do anão”. Pois agora já todos podemos ser DiCaprios (salvo seja): a atividade chegou a Portugal. Antes tarde que nunca, dirá quem ache boa ideia lançar um ser humano pelo ar, e pagar quase mil euros por isso.
Festas corporativas e despedidas de solteiro podem, então, contar com gente de pequena estatura no menu, cortesia da Mundial Eventos, que comercializa estas atividades, cobrando 994 euros por 15 minutos de um divertimento… diferente. “As regras requerem que os participantes lancem o animador anão [vestido de Super-Homem] o mais longe possível, dentro de uma determinada zona, definida como zona de segurança”, explica à VISÃO o responsável da empresa, Pedro Raposo. “O jogador que conseguir arremessar o animador o mais longe possível é obviamente o vencedor.”
A brincadeira está longe de ser pacífica. Basta um olhar pelo doutor Google para se perceber que, nos vários países onde existe o arremesso do anão, as opiniões dividem-se. Está ou não em causa o valor da dignidade humana?, questiona-se de um lado. Deve ou não o próprio anão ter direito à sua livre iniciativa e ao emprego?, pergunta-se do outro.
O constitucionalista Tiago Duarte não tem dúvidas: “Afronta a Constituição Portuguesa, porque viola claramente a dignidade da pessoa humana.” E esse é o artigo primeiro da lei fundamental. Mesmo o artigo 47º, que prevê a liberdade de escolha de profissão, contém limites: “Salvas restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade.” O constitucionalista acredita que “o anão só aceita esta atividade por não ter alternativas melhores, e a Constituição deve protegê-lo contra ele próprio”.
Este entendimento não é pacífico. Em 1991, na cidade francesa Morsang-sur-Orge, o poder local resolveu interditar um bar onde era praticado este desporto. Inconformado, o próprio anão, Manuel Wackenheim (então com 24 anos), questionou a decisão, argumentando que tinha direito à livre iniciativa e ao emprego. O Conselho de Estado francês deu razão ao poder público municipal. Wackenheim recorreu ao Comité de Direitos Humanos da ONU, mas em setembro de 2002 o organismo confirmou a decisão do Conselho de Estado francês.
Por cá, também há quem concorde com Manuel Wackenheim (além da empresa que comercializa a atividade, claro está). O advogado Diogo Bártolo, professor de Direito Civil e advogado da Miranda & Associados, garante que “não existe no ordenamento jurídico português nenhuma norma legal que proíba expressamente espetáculos ou competições desportivas de lançamento de anões”. Quanto à dignidade da pessoa humana, “deve haver o respeito pela autonomia privada de cada um”, defende. Traduzindo: se o anão decide ganhar a vida deixando-se arremessar pelos ares, está no seu direito e não deve ser proibido. Como diz o advogado, “podemos questionar se é de bom gosto ou não, se achamos estúpido ou não”, mas daí a proibir ou considerar que coloca em causa a dignidade da pessoa humana vai um grande passo. “Tem de haver cuidado nos limites que se põem.”
Não é a primeira vez que há controvérsia em Portugal com este tema. Em 2014, deu que falar uma garraiada em Ponte de Lima protagonizada por anões vestidos de estrunfes. Na altura, uma responsável pelo núcleo de nanismo da Raríssimas (associação de doenças raras) questionou, no jornal Público, o que no seu entender representava “um passo atrás na luta pela igualdade de direitos”. Seja como for, a associação só atua se houver queixa do próprio anão, confirmou a VISÃO.
Longe da polémica, Pedro Raposo, da Mundial Eventos, garante que há uma “procura por animações originais, e como tal esta animação em particular não foge à regra”, sendo que o público habitual do arremesso do anão se concentra nas despedidas de solteiro, festas corporativas diferentes e aniversários de adultos, esclarece.
E este jogo onde o anão se veste de Super-Homem e se deixa arremessar (protegido, pelo menos fisicamente) para cima de um colchão é apenas uma das várias opções com artistas de baixa estatura. Há também o anão-bowling (o anão é a bola), o striptease cómico e o DJ sexy. Por alguma razão se diz que a imaginação – e não o bom senso – é o limite.