A minha filha Matilde fez 18 anos, já pode movimentar a sua conta- -mealheiro. Aí nasceu a ideia para este livro [A História de um Mealheiro, lançado na semana passada]. Também tive uma conta dessas, da qual comprei o meu primeiro carro, que me custou, na moeda de hoje, cem euros.
Não há um acréscimo da criminalidade violenta. Os números mantêm-se razoavelmente estáveis. O que aumentou foi a quantidade de violência usada em cada ato criminoso. Há uma qualificação da violência, que é mais cruel, mais perversa. A expIicação sociológica para isto está estudada: corresponde à complexização das relações metropolita-nas. Lisboa há muito que não é uma cidade. É um conjunto de fortes micro situações, que depois se estendem, mimetizadas, à ruralidade. O roubo por esticão, por exemplo, começou em Lisboa e hoje está espalhado pelo País.
Estou a escrever um romance que aborda o período entre o regicídio e a implantação da República, que é pouco conhecido. D. Manuel tem uma namorada, uma atriz, e um neto dela roda, na atualidade, um filme sobre o caso amoroso da avó.
É um conto em que jogo com a poupança e a importância do tempo. São as memórias de um velho de 75 anos. Já as minhas, se as publicar, tenho de estar morto ou fugido. Vivi em mundos turbulentos. [Na PJ, lidou com assaltos violentos e homicídios.]
O problema do recrutamento de jovens suburbanos pelo Estado Islâmico, para os transformar em terroristas, está também ligado a esta construção das grandes metrópoles, que provoca a pulverização de identidades. As pessoas partilham a mesma cidade, mas nada mais. Nestas metrópoles não há vizinhos.
O meu fascínio por cemitérios está ligado à minha formação. Aprendi os cadáveres e a violência nos 12 anos em que trabalhei na polícia – ou como a morte influiu na forma de entendermos o outro. Não conhecemos a morte, não temos essa capacidade. Só conhecemos o que o outro sentiu na morte. Temos estratégias para a iludir, embora sejamos o único ser vivo que desde muito cedo está consciente de que vai morrer. Debatemo- -nos entre essa certeza e o desejo da imortalidade.
É o psicodrama maior do ser humano.
Depoimento recolhido por José Plácido Júniro