As polémicas biografias de Monica Lewinsky, Tom Cruise, Angelina Jolie, Madonna e o casal Beckham foram bestsellers no mundo todo. Mas o inglês Andrew Morton, 59 anos, será sempre conhecido pelo bombástico livro que escreveu sobre Diana, com a colaboração secreta da própria princesa, e que vendeu sete milhões de exemplares. Na sua última aventura biográfica, Ladies de Espanha (que chega amanhã, 20, às bancas, editado pela Esfera dos Livros), o ex-jornalista especializado na família real britânica faz um retrato controverso das quatro mulheres do núcleo da realeza espanhola. A VISÃO falou com o escritor – e descobriu que Andrew não gostaria de ver a sua biografia escrita por alguém igual a ele.
Com toda a sua experiência na família real britânica, a realeza espanhola ainda o surpreendeu de alguma forma?
Surpreendeu-me o quanto havia para escrever…
Há muitas diferenças entre a família real espanhola e a britânica?
A família real espanhola só foi restaurada em 1975 e, de certa forma, os espanhóis olham para a monarquia como algo que se pode pôr e tirar, como um casaco. E a realeza britânica encontra-se agora num momento de popularidade, ao passo que Juan Carlos se está a afundar.
A monarquia espanhola parece-lhe mais em risco do que a britânica?
Corre o risco de ser marginalizada e tornar-se irrelevante, se não tiver cuidado.
Estas quatro mulheres põem as suas responsabilidades como membros da família real à frente da sua felicidade?
A rainha Sofia sim, sem dúvida. Casou por obrigação e teve sempre uma vida solitária, independente do marido, que se ia entretendo com os seus relacionamentos [amorosos]. Helena, o primeiro membro da realeza a divorciar-se, colocou a sua felicidade pessoal à frente da monarquia. Cristina… O que se pode dizer? Com Iñaki, eram o casal dourado, e agora ela está virtualmente exilada na Suíça, com a casa à venda e o marido metido num escândalo. E temos Letizia, a jornalista republicana, divorciada e ateia que, ironicamente, pode ser a salvadora da monarquia. Letizia e Felipe são o único trunfo da monarquia espanhola. Um amigo da Letizia dizia-me que ela está a tentar adaptar-se à imagem de uma princesa.
Que impacto teve este livro em Espanha?
Imenso. Chegou a número um e tem tido imensa atenção. Na conferência de imprensa da apresentação do livro, estavam lá umas 60 pessoas, várias câmaras de televisão, fotógrafos…
Os espanhóis estão mais interessados na família real do que julgava?
Fiquei agradavelmente surpreendido o quanto estavam interessados neste livro (risos). Obviamente, uma grande parte dos espanhóis leva a família real muito a sério, tal como no Reino Unido. Haverá sempre quem não está interessado. Mas de certa forma, seja em Espanha, em Inglaterra ou na Dinamarca, as famílias reais simbolizam a nação, e é por isso que serão sempre importantes e relevantes.
O Andrew é monárquico ou republicano?
Monárquico. Acho que a monarquia faz um bom trabalho em distinguir um país dos outros. Quantas pessoas sabem o nome do presidente da Alemanha ou da Irlanda? Mas sabem o nome de vários monarcas. De Juan Carlos, quando a história o julgar, dir-se-á que num momento crítico de Espanha ajudou a fazer a transição para a democracia e foi um pilar de estabilidade e modernidade.
De todas as biografias, qual é que teve maior impacto? Diana? Tom Cruise? Angelina?
O livro de Diana teve imenso impacto. Já saiu há 21 anos e continua no top 40 da Amazon, o que é extraordinário. Mudou a forma como as pessoas olham para a realeza.
Quando lhe perguntam que biografias escreveu, essa é a primeira que menciona?
Sim. Quando escreverem o meu obituário (espero que daqui a muitos anos), a primeira frase dirá “o biógrafo da princesa Diana”.
Porque são as suas biografias tão populares? As pessoas estão obcecadas com as vidas das celebridades?
Cada uma tem a sua história. O livro de Diana foi uma sensação, porque revelava coisas que não se sabiam antes: a relação do príncipe Carlos com Camilla Parker-Bowles, os distúrbios alimentares, as tentativas de suicídio e a sua infelicidade em geral. Era a outra face do conto de fadas. A biografia do Tom Cruise visava a Cientologia, um movimento muito poderoso, sobretudo nos EUA. O da Angelina Jolie… Ela é uma personagem fascinante. Alguém que o público quer conhecer mais. E desde que o livro saiu, ela tem sido mais e mais admirada.
Diria que os seus leitores, quando conhecem o mundo escondido dos famosos e se apercebem que as suas vidas não são perfeitas, se sentem um pouco melhor sobre as suas próprias vidas?
As pessoas… As mulheres identificam-se com outras mulheres. No caso de Diana, muitas mulheres que também tinham vidas complicadas sentiram que, se ela [Diana] era capaz de pedir ajuda, de falar abertamente sobre os seus distúrbios alimentares, também elas próprias podiam pedir ajuda. E isso realmente aconteceu. As celebridades são uma raça à parte, vivem num universo diferente. Gostamos de as pôr num pedestal, e ao mesmo tempo gostamos de as trazer de volta à terra.
É isso que o Andrew faz? Traz as celebridades de volta à terra?
O que tento fazer é explicar a trajetória das suas vidas. As pessoas só são interessantes se tiver havido algum tipo de mudança. No caso de Angelina, houve uma mudança gigantesca, de heroinómana para embaixadora das Nações Unidas, em apenas três anos. Qual foi a motivação por detrás disso? Qual foi a dinâmica? Tom Cruise: alguém tremendamente bem-sucedido como ator nos anos 80, com o filme Top Gun, e depois junta-se à Cientologia e muda a sua vida. Porque é que isso acontece?
O Andrew também tem uma vida interessante, como o das pessoas sobre quem escreve?
Espero que sim. Casei-me pela segunda vez recentemente e estou muito feliz. A narrativa da minha vida é que a felicidade aparece quando não a procuramos.
Qual é a sua história?
Sou de Leeds, no norte de Inglaterra. O meu pai fazia molduras, e esperava-se que eu continuasse o negócio da família, mas queria ser jornalista. Puseram-me como correspondente da família real, num jornal, apesar de não saber nada sobre a realeza – mas tenho 1,95 metros, o que dava muito jeito para espreitar por cima da multidão.
Não foi, então, uma carreira escolhida por si?
Não. Eu queria ser jornalista de política. E o meu primeiro livro chamava-se “André, o príncipe playboy”, de 1992, descrito por um crítico como o pior livro alguma vez escrito. Daí, o caminho só podia ser a subir.
Essa crítica não o fez parar…
Não, não me fez parar. Continuei até chegar a um ponto em que tive de escolher entre ser um escritor a tempo inteiro ou jornalista. Decidi tornar-me escritor. Comecei pelos livros da realeza, passei a conhecer as pessoas do círculo da Diana…
Como é que escolheu as personalidades? Porque é que decidiu escrever sobre estas?
Sou daquelas pessoas… Se a bola vem ter comigo, eu apanho-a e corro com ela. Por exemplo, com a Monica [Lewinsky] foi uma história engraçada. Ela foi a maior história de 1999. E uma vez um jornalista perguntou-me: sobre quem gostava de escrever? Eu respondi “sobre a Monica”, que tinha uma história fascinante. O advogado dele leu essa entrevista num jornal, contactou o meu agente e, quando dei por ela, estava num avião em direção a Nova Iorque. Ainda hoje me mantenho em contacto com ela. Vejo-a de vez em quando. Antes disso, escrevi sobre o presidente do Quénia. Mais uma vez, foi uma coincidência. Alguém que o conhecia e sabia que ele andava à procura de quem escrevesse um livro sobre ele, e eu já estava farto de escrever sobre a família real e precisava de uma mudança, de um desafio. Tom Cruise: a Cientologia, saber o que o movia. Angelina Jolie: outra grande personalidade. Os Beckhams: dominaram a cena social britânica durante algum tempo.
O Andrew é talvez o mais famoso biógrafo do mundo. Já escolheu o seu próprio biógrafo ou vai encarregar-se pessoalmente disso?
Se a minha vida se tornar mais interessante, sim.
Ainda não é suficientemente interessante? Não gostava de contar as investigações das biografias que escreveu?
Talvez… Mas não sou vaidoso ao ponto de achar que as pessoas gostariam de ler a minha biografia. Agora, a história não seria sobre mim, mas sim sobre outras pessoas, em que eu sou o fio condutor? Bom… Nunca se sabe.
Gostaria que a sua biografia fosse escrita pelo seu clone intelectual?
Claro que não! Não! Ao contrário do Príncipe de Gales ou Tom Cruise, não tenho acesso a presidentes ou a primeiros-ministros. Acho legítimo escrutinar a vida de alguém com tanta influência sobre outras pessoas, mas sempre tive dificuldade em ler sobre mim.
Não gosta de ler sobre si próprio?
Quer dizer, eu leio sobre mim, às vezes. E… é [uma imagem] normalmente distorcida. Talvez seja melhor ser eu a escrever a minha biografia.