Do alto dos seus 81 anos, Pedro solta uma enorme gargalhada quando pensa na mudança de mentalidades. Pioneiro do surf em Portugal, durante décadas enfrentou as ondas sozinho e foi visto como um louco. Chegou a ser preso, duas vezes, por cabos do mar, por não respeitar a bandeira vermelha. Daí que ser encarado hoje como um exemplo de saudável longevidade tenha uma imensa ironia. Pedro Martins de Lima não se vê como um caso insólito, um moonwalker, como lhe chamou o repórter de viagens Gonçalo Cadilhe, amigo próximo. “Considero-me um tipo básico, que gosta de fazer desporto. Correr riscos é uma rotina. Para os outros também devia ser, se não tivessem uma atitude de exagerada retração. A minha loucura foi sempre muito cerebral, muito opcional.” Desportista desde os 5 anos, quando começou a andar a cavalo, aprendeu a tirar lições das várias modalidades que praticou: ginástica, ténis, tiro ao arco, vela, hóquei, esqui, mergulho, caça submarina. Mas confessa que foi sempre movido pelo sentido de aventura e pela vontade de ultrapassar os seus limites. E aí o surf tornou-se especial. “Ensinou-me a combater o medo e fez-me aumentar a autoconfiança e a autoestima. Comparada com uma onda de quatro metros, uma placagem no râguebi é coisa de meninas.” Esteve para se afogar várias vezes, enfrentou uma avalancha, teve um encontro, quase fatal, com um tubarão-tigre.
Recentemente, esteve oito meses limitado com uma “rutura estúpida” no tendão-de-aquiles. “O guarda-redes do Sporting teve o mesmo e ficou parado um ano.” Mais uma vez, torneou as dificuldades, com bicicleta, remo, pesos, para manter os músculos tonificados. Este ano, já passou três semanas nos Alpes, a esquiar.
“É uma atividade fantástica. Faz com que consiga manter um elevado nível e andar taco a taco com os miúdos”, sublinha, a falar dos amigos, que rondam os 30, 40 anos e em relação aos quais diz não sentir qualquer diferença. “É como se tivesse parado na idade.” Take dois. Aidade também não preocupa Ciro Andrade. Nas suas palavras nem há idades, há capacidades. “Parar, só quando não me sentir física e mentalmente capaz.” Médico de clínica geral, 92 anos, recebe-nos no seu consultório, em Lisboa, com um enorme sorriso e uma boa disposição contagiante. Nascido em Benguela, veio para Portugal tirar o curso de medicina quando tinha 24 anos. Começou a dar consultas assim que terminou a formação e nunca mais parou. “A melhor maneira de encarar o envelhecimento é aceitar a alteração das capacidades, ao longo da vida.” Durante cerca de 60 anos de carreira, fez mais de 2 mil partos e tem 300 afilhados há que invejar-lhe a energia. A resposta é pronta: “Não diga isso. Faça por chegar à minha idade, como eu.” Há mais quem lhe siga as pisadas. Aos 75 anos, a idade das bodas de brilhante, Iselinda Jacob é outro exemplo flagrante disso e sempre a sorrir, que assim está-se melhor. A vida bem que lhe trouxe contrariedades, mas de todas fez mais-valias.
O marido é que explorava o café, em frente da estação de comboios, em Santarém, mas como a doença o atirou para a cama, Iselinda tomou as rédeas ao negócio. Arranjou umas empregadas para a ajudarem durante o dia, mas é ela que abre a porta às 5 da manhã, para servir o pequeno-almoço a quem vai de viagem, e a fecha à meianoite, depois do último comboio. “Não, não tenho medo nenhum.” Parar não está, obviamente, nos seus planos, que Iselinda gosta muito da vida que leva. Nem tem dúvidas de que é isso que lhe dá longevidade: “O meu segredo é orar e trabalhar.” A sua energia é contagiante e, não será exagerado dizer, verdadeiramente inspiradora e esse bem poderia ser o mote deste Ano Europeu do Envelhecimento Ativo, como explica a coordenadora nacional, Joaquina Madeira, 65 anos. A tendência está à vista: uma geração que recusa o rótulo da terceira idade e ser atirada para o lado. “A sociedade em que vivemos tem sido muito idadista, há muito preconceito em relação à idade”, critica Joaquina Madeira. “Endeusou-se a ideia de ser belo e jovem e, numa sociedade materialista, quem não se enquadra é excluído. É isto que, agora, está a ser posto em causa.”
SEM ARREPENDIMENTOS
Os diferentes estádios da vida que convencionalmente se consideravam infância, adolescência, juventude, idade adulta, meia-idade, idade da reforma são, hoje, ideias feitas que perderam significado para esta nova geração: os sem idade. Vivem mantendo o leque de opções todo aberto, sem pressões para agir segundo os parâmetros estabelecidos. É uma espécie de saber envelhecer, sem ficar velho.
O mais recente exemplo veio de Hillary Clinton, 64 anos, a secretária de Estado norte-americana, fotografada a dançar salsa, sem maquilhagem, e a beber cerveja pelo gargalo da garrafa. As imagens tornaram-se virais, pela descontração da protagonista, e correm repetidamente na net.
“Estou na minha melhor fase”, comentou a governante. “Uso o que me apetece, sem me preocupar com o aspeto. É coisa que deixou de ter a importância que tinha para mim.” Para os especialistas, o desabafo condiz na perfeição com a pose assumida desta nova geração de seniores. “Ser ativo não é ser jovem, isso mantém o preconceito. Faz um envelhecimento ativo quem se consegue fixar nos ganhos que tem ao longo da vida”, observa Joaquina Madeira, insistindo em que é preciso tornar este processo numa forma de otimizar a saúde, de estipular um objetivo, uma meta, uma razão para existir. “É ter um projeto de vida”, resume, para depois falar no complemento deste Ano Europeu, que é também da Solidariedade entre Gerações. “Não haja dúvidas: não há envelhecimento ativo sem coesão social. As gerações não podem continuar a competir.” Há dias, a tendência ganhou outro certificado de validade: estudos recentes avançam que envelhecer sem arrependimentos dá mais saúde. Segundo a investigação, publicada na prestigiada revista Science, o sentimento de perda e as lamentações por oportunidades desperdiçadas não são de todo benéficas, em idades mais avançadas.
CLIENTES APETECÍVEIS
É esse o modus vivendi de Gabriela Araújo, 87 anos: “Sempre aceitei o que a vida me deu.” Engenheira química do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, passou, desde que se reformou, a ser uma espécie de viajante profissional. “Faço-o sempre que posso.” Sem filhos “Se não tive é porque não era suposto ter; não vivo angustiada com o que não tenho”, conta Gabriela que, como o marido detestava viajar, ela ia com uma amiga. Dos seus destinos, constam a Croácia, a Turquia, a Índia, o Nepal, a Grécia e, várias vezes, a Itália. Quando não tinha companhia, partia sozinha e, no sítio, acabava por se integrar num grupo. No ano passado, em que fez o circuito das cidades do centro da Europa, nem as salmonelas, apanhadas num jantar de amêijoas, na véspera, a levaram a desistir. “Queria ir ver os diques da Holanda. E ainda fui à Bélgica e ao Luxemburgo.” Loira, bem arranjada, elegante “Na praia sou uma sereia!”, Gabriela diz que não faz planos, que não anda à procura: as viagens aparecem-lhe nas revistas que vai lendo. Para a semana (23 de maio), zarpa em direção à Riviera Maia. Em julho, prossegue o passeio, com um cruzeiro no Volga, de Moscovo a São Petersburgo. Reúne uma coleção de paraísos, na sua caderneta de viagens. “Estas memórias são muito importantes, e isto ensinou-me uma comadre: ‘Devemos ter sempre na nossa mente um lugar ideal para pensarmos, quando estamos angustiadas’.” Segundo os números do turismo sénior, muito em breve Gabriela estará cada vez mais acompanhada. Um estudo recentemente divulgado pela Marktest mostra que são já 38% os portugueses com idades entre os 55 e os 74 anos que gostam de viajar.
A estimativa, para a Europa, em 2025, é de serem 22% dos viajantes. O mercado do consumo está também já de olho neste novo alvo e a tendência é mundial. De acordo com o ageless marketing, o grupo etário mais importante, em 2000, situava-se entre os 15 e os 40 anos. A partir de 2050, estará, certamente, no pós-40.
‘GREY CHIC’
Os sinais estão por todo o lado e confirmaram-se quando as semanas de moda mundiais mostraram modelos de cabelo grisalho. Já Lady Gaga, aliás, se tinha deixado fotografar para a capa da Vanity Fair com o cabelo cinzento. O caso mais extraordinário é o de Daphne Selfe, que, aos 83 anos, não deixa que lhe chamem velha e exibe com orgulho as suas rugas pelas capas das revistas de moda. Começou a desfilar com 20 anos, mas acabou por desistir da carreira para se dedicar à família. Só que, aos 69 anos, aquele que fora seu agente na juventude ofereceulhe um contrato publicitário. Desde então, não parou de trabalhar. Agora, cobra mais de mil euros diários por uma reportagem fotográfica. “Sou a prova de que uma mulher se pode sentir poderosa e sexy em qualquer idade.” Essa é a sensação que enche a Sala dos Artistas, no Centro Cultural de Belém, enquanto dura aquela aula de ginástica da Companhia Maior. Composta por profissionais do teatro, dança e música, todos com mais de 60 anos, quer ser um local de criatividade permanente para os artistas mais velhos e contribuir para um espírito de solidariedade entre as gerações.
Oiça-se Luna Andermatt, 86 anos, essa mesma, fundadora da Companhia Nacional de Bailado, que se juntou àquele grupo no final do ano passado. Pelas suas palavras, percebemos que o corpo nem sempre obedece à mente, mas o prazer, o prazer de pisar o palco, esse, não tem dores, nem rugas, nem idade. “Não podemos dar muita confiança ao corpo”, explica.
“Não se pode ceder ao físico.” Nem a vértebra que lhe saiu do sítio, num exercício de ioga, há meia dúzia de anos, a fez parar.
“Por dentro não sinto a idade que tenho.” Os companheiros de palanque bebem-lhe as palavras e a inspiração. Iva Delgado, por exemplo, a Ivinha, como a própria lembra porque foi sempre a filha de Humberto Delgado, o General Sem Medo arqui-inimigo de Salazar e, por isso, assassinado, diz que encerrou esse capítulo.
Aos 71 anos, abraçou este projeto por um golpe de sorte. “Aqui, a idade é uma vantagem.” Este sábado, 19, sobe ao palco. No total, são 19 artistas que levam a coreografia Maior ao Teatro Aveirense.
Descobre-se, também, que os sem idade já deram um passo de gigante na net. Segundo a empresa Panda Security, 66% dos seniores afirmam deter conhecimentos suficientes sobre a web e 74% dizem sentir-se seguros. Entre os inquiridos todos utilizadores com mais de 60 anos, 54% revelam fazer compras online.
SEMPRE A APRENDER
Essa procura por uma maior destreza informática é sentida, igualmente, na rede nacional de academias com cursos para os mais velhos, um movimento que surgiu no início dos anos 1970 e que explodiu na última década eram apenas 15, em 2001.
“Neste momento, somos 190”, contabiliza Luís Jacob, o presidente da direção da Rutis, a associação Rede de Universidades da Terceira Idade.
E não param de surgir as áreas em que estes seniores se preparam para dar cartas.
Veja-se os Jogos Olímpicos. Ainda antes de começarem vão decorrer em Londres, durante o verão, já lançaram novos limites para o corpo humano. Pela primeira vez, a equipa norte-americana de natação terá duas atletas com mais de 40 anos, ambas com tempos fabulosos e impensáveis para a sua idade. O Japão, país com maior número de centenários no planeta, também se prepara para levar um cavaleiro de 70 anos às provas de hipismo.
Trata-se de superatletas, só superados pelo indiano Fauja Singh que, em outubro passado, se tornou no primeiro centenário do mundo a completar os 42 quilómetros de uma maratona, em Toronto.
Cruzou a linha de chegada em pouco mais de oito horas. Em Londres, será uma das pessoas a carregar a tocha olímpica.
Francisco Lourenço não aspira a tanto.
Ex-professor de ginástica, reformado após 40 anos de profissão, faz tudo para manter o mesmo estilo de vida. Em contagem decrescente para os 65, no final do ano, a primeira coisa que fez foi inscrever-se num ginásio. “Havia uma série de atividades que queria experimentar”, justifica, para depois elencar: body combat, body pump, musculação, bicicleta, pesos… “Mas o meu sonho de sempre era tocar bateria.” Resultado? Inscreveu-se em música, numa universidade sénior, e já é o mestre do bombo, nos cantares populares.
Estudou, também, inglês e informática, e está inscrito em nutrição e história de arte. Mas não é só: como as filhas lhe ofereceram uma concertina, às segundas e terças, à noite, vai às aulas. A namorada, dois anos mais nova, faz par com ele nas danças de salão. E talvez ainda vá para o folclore. “Não, não sinto que esteja velho. Não tenho tempo para pensar nisso.”
* COM JOANA LOUREIRO E NÁDIA FRANQUINHO