Havia que recuperar do atraso do dia anterior e feitas as contas deveria fazer, por dia, em média, cerca de 125 quilómetros para completar os 1000 quilómetros a que me havia proposto fazer na ligação de Lisboa a Casablanca. Por isso arranquei de manhã cedo, ainda não eram oito horas da manhã, para uma longa jornada. Só pararia mesmo quando o sol se pusesse e no centro de Alcácer do Sal lá me indicaram que o melhor mesmo era seguir para Beja mas na direcção do Torrão e não de Grândola, como a menina da recepção me tinha explicado. E segui viagem admirando o silêncio que se fazia sentir naquela rua de suaves colinas que ia fazendo sem custo de maior. Cheguei a Beja a tempo do almoço e acabei por comprar a máquina fotográfica, depois de perceber que uma nova lente para a minha Canon estava fora de questão, pelo seu elevado preço e rapidamente voltei à estrada em direcção a Serpa. Parei numa estação de serviço às portas da terra que viu nascer Nicolau Breyner, com um calor insuportável. Pedi uma garrafa de litro e meio de água fresca enquanto entrava uma senhora manifestamente incomodada pelo calor.
– Jesus credo! Tanto calor! Devem estar uns 40 graus! – exclamou a senhora, ao que um homem, de meia idade, de etnia cigana, com uma garrafa de cerveja na mão, respondeu:
– E ainda a senhora não viu nada. Quando se diz que Serpa é o local mais quente de Portugal as pessoas não se acreditam.
Na verdade já tinha ouvido falar disso e podia comprovar na pele que não era um mito. O vento soprava quente mas mesmo assim não havia mais nada a fazer senão pedalar, pedalar… Passaram por mim alguns carros dos bombeiros de combate ao incêndio, apressados, com a sirenes a apitar e a indicação mais à frente não deixava dúvidas. Elevado risco de incêndio.
Entrei na fronteira espanhola de forma insonsa. É que nem uma placa Espanha a anunciar a entrada no país vizinho nem nada. O melhor que encontrei foi a indicação que Comunidad de Andaluzia Provincia de Heulva. Foi junto ao marco do quilómetro 155 da Nacional 433, que encostei a bicicleta e tirei uma foto para a posteridade.
Não perdi muito tempo a voltar a cavalgar na minha ginga e confesso que já estava a sentir-me cansado. A localidade de Aroche ficava a 25 quilómetros e decidi que seria aí que ia pernoitar, mas eis que o pneu de trás começa a esvaziar. Estava com um furo. O primeiro da viagem. Usei do spray reparador que me daria, quando muito, para aguentar 10 quilómetros, mas como se fazia tarde, decidi arriscar, e para não ter de parar e reparar o furo, segui estrada fora. Parei várias vezes para encher o pneu e o simples facto de parar de pedalar era um verdadeiro tormento. Aqueles últimos quilómetros da etapa estavam a ser muito difíceis para mim e já só queria descansar. Comecei a ter tonturas e com muito sacrifício chego a Aroche, onde não demorei muito a encontrar estadia. Um quarto com casa de banho virado para o casario daquela pequena vila, encastrada numa colina de forte inclinação.
Tomei um duche e já quase não sentia as pernas. Tinha percorrido 190 quilómetros num só dia, debaixo de um forte calor e sinceramente creio que exagerei, pois o meu corpo começava agora a dar sinais de alerta estranhos. A começar pela descoordenação motora. Quem me visse nesse momento diria que estava com uma grande bebedeira, mas na verdade sentia-me com tonturas e o meu cérebro começava a projectar imagens confusas. Estava numa fase de delírio e sabia-o. Comi rapidamente e subi ao quarto. A muito custo meti a chave na porta e mal entrei fui a correr para a sanita da casa de banho, onde vomitei o jantar que havia comido minutos antes. Não estava nada bem e para ajudar à festa o ar condicionado do quarto estava avariado, pelo que não me restou outra alternativa senão comer uma banana que ainda me restava das minhas poucas provisões e dormir de janela aberta. Estava exausto.