Num debate morno, talvez condicionado pela ameaça do moderador da RTP, Carlos Daniel, ao avisar que cortaria o microfone a quem se atropelasse, não houve interrupções entre candidatos, que puderam expor, com clareza, as suas propostas e diferenças. À exceção de uma pequena picardia entre André Ventura e Ana Gomes (mas sem diálogo direto) ou de Tiago Mayan sobre Marisa Matias (sobre a desigualdade), nada mais. O principal momento, do onto de vista da caça ao voto, terá sido o do “tiro ao Marcelo”, quando o tema era o que cada um teria feito melhor, se fosse Presdidente. Nesse campeonato, André Ventura e Ana Gomes tomaram, efetivamente, a dianteira. Ventura quer fixar o maior número possível dos eleitores à direita e Ana Gomes quer convencer o maor número possível de eleitores do PS. Marcelo (confinado, em vídeoconfeência, de máscara e com ar desconsolado pela situaçao…) não respondeu diretamente a qualquer crítica, colocou-se num plano superior e fez uma preleção quase professoral do que deve ser o Presidente ideal. Curiosamente, o perfil corresponde à sua pessoa…
No capítulo dos desígnios para o País, foi interessante saber o que cada um teria como prioridade, embora nenhum dos aspetos enunciados tenham diretamente a ver com as funções presidenciais. Nessa área, Marcelo deu cartas quando, em contracorrente com os grandes temas que cada um expôs como prioridades, do tipo “ambiente”, “transição energética” ou “combate às desigualdades”, avisou que responderia com os pés assentes na terra – e aproximou a discussão à verdadeira preocupação dos portugueses: ultrapassar a pandemia, priorizar a vacinação, acelerar a retoma.
As frases e os momentos mais marcantes do debate.
Eleições deviam ser adiadas?
André Ventura:
“Governo não preparou o ato eleitoral neste contexto. Esta perturbação será má para todos”
Ana Gomes:
“Eu não pedi adiamento, pedi que a AR ponderasse. Quando há vontade política, há sempre solução”
João Ferreira:
“Será útil fazermos o esclarecimento e mobilizarmos o eleitorado nas condições possíveis e cumprindo as regras sanitárias, sem fomentar o alarmismo. Já todos percebemos que haverá eleições”
Marcelo Rebelo de Sousa:
“Coloquei hoje, outra vez, a questão do adiamento, a todos os partidos. E nenhum admitiu tomar essa iniciativa”.
Tiago Mayan Gonçalves:
“O Governo trouxe-nos a um ponto de não retorno”
Marisa Matias:
“Não devemos pensar que a pandemia poderia estar a afetar tanta gente e a campanha prosseguisse como se nada fosse”
Vitorino Silva:
“Eu queria estar aqui hoje e não ter razão. Disse a 7 de setembro que podíamos ter em janeiro 10 mil casos e mais de 100 mortos. Porque no meu gabinete, que é a rua, sei que há frio em janeiro. Mas os políticos, nos seus gabinetes, têm sempre o ar condicionado a 20 graus. Se eu ganhasse estas eleições e tivessem ido votar menos de 50% dos eleitores, não tomava posse, tinha vergonha”
Contexto: o teste positivo de ontem, à Covid-19, registado por Marcelo Rebelo de Sousa, foi hoje desmentido por dois testes negativos. Ainda assim, o recandidato participou no debate por vídeoconferência. Esta circunstância veio agudizar a questão de se saber se há condições para realização de eleições, com o País confinado, e se o estado de emergência não devia ser suspenso por umas horas, para que o Parlamento fizesse uma revisão cirúrgica da Constituição, que permitisse o seu adiamento. Uma das perguntas de Carlos Daniel teve a ver com a contradição de se pedir às pessoas que fiquem em casa e, ao mesmo tempo, pedir-lhes que vão votar. Deve lembrar-se, porém, que as saídas para ir aos supermercados, às farmácias e em assitência a familiares, entre outras exceções, são permitidas. Ora, a permissão para ir votar é apenas mais uma – e, se calhar, a mais segura… – sem que isso imponha qualquer exceção ao regime decretado pelo estado de emergência.
SNS e pandemia
João Ferreira:
“Quem faz negócio com a Saúde, quando rebentou a Covid, pôs-se ao fresco”
Tiago Mayan Gonçalves:
“Quem deve ser financiado é o utente e ele escolherá público ou privado”
Ana Gomes:
“O Governo deve avançar para a requisição civil dos privados e pagar o custo justo”
Marcelo Rebelo de Sousa:
“A pandemia permitiu concluir que o SNS é a coluna vertebral da Saúde. É insubstituível. Mas onde o SNS não pode ir, precisará, em situações específicas, de recorrer ao setor privado”
André Ventura:
“Os enfermeiros têm sido permanentemente injustiçados”
Marisa Matias:
“Marcelo usou a sua influência para manter as PPPs na Saúde”
Vitorino Silva:
“Se eu estiver a morrer, não escolho público ou privado: quero é ser salvo”
Contexto: A pandemia veio colocar no topo da agenda politica as questões de saude pública. Esta área foi aquela, durante o debate, em que a esquerda e a direita mais marcaram as suas diferenças. Uma discussão em que Marcelo procurou situar-se rigorosamente ao centro. Os candidatos mais à direita continuaram a esgrimir perante a esquerda a questão do preconceito ideológico, embora se trate de mais ideologia do que preconceito – e essa situa-se em ambos os lados da barricada. André Ventura, entretanto, insiste, debate a debate, na causa dos enfermerios, dando sequência ao “abraço” público que a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, lhe foi dar, durante uma das iniciativas do Chega. Depois das forças de segurança e de outros servidores intermédios do Estado, este numeroso setor do eleitorado parece ser uma das suas principais apostas.
O tiro a Marcelo
Tiago Mayan Gonçalves:
“Entre Marcelo e Costa, não se sabe onde acaba um e começa o outro. Se a estabilidade é a estabilidade da estagnação económica, a estabilidade da podridão do sistema, a estabilidade do bloqueio do País, eu não quero a estabilidade”
Marisa Matias:
“A parceria entre o PR e o Governo provocou bloqueios na saúde, na área dos direitos do trabalho, na relação com a banca”
Vitorino Silva:
“Se eu fosse Presidente e visitasse, com o PM, a Autoeuropa, não lhe dava confiança para anunciar a minha recandidatura. Ninguém tem procuração para falar em meu nome. Embalaram-se um ao outro porque lhes convinha e, a Marcelo, convinha o apoio do PS na recandidatura”
André Ventura (entre outros ataques cerrados):
“Quem olhar para Marcelo, percebe porque é que o PS não apresentou um candidato próprio. Marcelo é o candidato do PS”
João Ferreira:
“Os afetos de Marcelo são como a riqueza nacional: existem, mas estão muito mal distribuídos…”
Ana Gomes (entre outros ataques cerrados):
“O Presidente deve ser o garante da estabilidade, mas não a do bloco central dos interesses. Depois, Marcelo normalizou a extrema-direita, e a extrema-direita não é uma corrente de opinião, é um perigo. Normalizá-la é normalizar a insegurança. E, se Marcelo fosse reeleito, iria agora trabalhar para fazer regressar ao poder a sua direita neo-liberal”
Marcelo Rebelo de Sousa:
“Todas as crises por que passámos aconselhavam um Presidente que não fosse de fação, que unisse, que procurasse a estabilidade e o compromisso e isso é criticado à esquerda e é criticado direita. Mas os portugueses perceberam”
Contexto: Todos os candidatos procuraram demonstrar o que teriam feito de diferente e cada um aproveitou para passar algumas mensagens. As mais interessantes vieram de André Ventura e de Ana Gomes, que se colocaram, num plano mais ideológico, no que diz respeito à avaliação a Marcelo. Ventura falou, sobretudo, para os eleitores do PSD e do CDS. E Ana Gomes para os do PS. No pressuposto de que existe indecisão, em ambos os campos, sobre o sentido de voto, foi o momento em que terão convencido, de um lado e do outro, maior número de indecisos.
As causa e os desígnios para o País
Ana Gomes:
Regionalização, transição energética, clima e digital (inovação)
Tiago Mayan Gonçalves:
Fiscalidade, leis laborais, bazuca empregue no alívio fiscal e no apoio às atividades económicas.
João Ferreira:
Redistribuição da riqueza, Produção nacional, serviços públicos, desconcentração do Estado.
André Ventura:
Impostos e taxas, classe média, empresas, função pública.
Marisa Matias:
Emprego, transição energética, e, sobretudo, desigualdade.
Vitorino Silva:
Economizar, semear para colher.
Marcelo Rebelo de Sousa:
Assentar os pés na terra e… Ultrapassar a pandemia, vacinação, recuperação e retoma, presidência portuguesa do Conselho Europeu para acelerar a bazuca financeira, coesão social, serviços públicos e sociedade civil.
A promessa
Vitorino Silva: Mais luz e felicidade
Marisa Matias: Orgulho e intergeracionalidade
João Ferreira: Esperança, dirreitos, cultura e desenvolvimento
Tiago Mayan Gonçalves: Cumprir as dez milhões de ambições
André Ventura: Impedir a situação em que metade do País continue a trabalhar para sustentar a outra metade.
Marcelo Rebelo de Sosa: Fazer com que os portugueses ainda gostem mais de Portugal e de serem portugueses
Ana Gomes: Justiça e relevância europeia