Catarina Martins terá estado a ver e a rever o debate entre André Ventura e Marisa Matias, na corrida às presidenciais de 2021. E não cometeu os mesmos erros. Ninguém ganha a André Ventura uma luta na lama – e a coordenadora do Bloco de Esquerda preferiu colocar apenas lá um dedo, para ver se estava fria… De caminho, nem por um momento articulou a palavra Chega: só falou da “extrema-direita”.
Argumentário e estilo
Perfeito na transmissão da mensagem ao seu eleitorado – mas incapaz de o fazer crescer – André Ventura nem falhou o velho cliché do Mercedes à porta do beneficiário do RSI, nem o do refugiado do Mediterrâneo “com o telemóvel na mão”. Sempre ao ataque, às vezes exagerando nos termos – “estas tretas”, “aquela malta” – o que não será muito do agrado de um eleitorado conservador e “respeitável”, Ventura deixou a política de fora e concentrou-se nos soundbytes. Uma exibição para a aficion, como aqueles toureiros cujo estilo pede música de paso doble no redondel, sobretudo quando confrontou Catarina com o património imobiliário do Bloco isento de IMI – deixando a bloquista sem resposta.
O líder do Chega trazia na manga o recorte com a fotografia do controverso ativista Mamadu Ba, antigo assessor do BE. Se Catarina Martins queria piscar o olho às Forças de Segurança, quando falou da (curta) massa salarial desse setor, fê-lo de forma desastrada, dando a oportunidade a Ventura para recordar os insultos de Mamadu às forças policiais – e ganhar mais um (inquietante) crédito junto dos polícias.
Contida, muito seráfica – foi interessante ver o ar impassível de Catarina Martins, quando Ventura a atacava e as câmaras nos davam o plano duplo – a representante bloquista deixou, também, a política de fora e tentou ocupar um espaço onde o seu adversário (demagogicamente ou não) é sempre mais eficaz: o da corrupção (já lá vamos). Uma nota final para as frases que marcaram o debate, e que poderemos revisitar mais em baixo: curiosamente, foi Catarina quem lançou as farpas mais afiadas, nos tais momentos em que colocou “o dedo na lama”, para ver se estava fria.
Corrupção
Catarina Martins deu o mote para a campanha, no que diz respeito ao duelo particular que travará com o Chega, na luta pelo 3.º lugar. O Bloco pretende esvaziar o balão da direita radical, carregando na tecla dos offshores e dos vistos gold, portas alegadamente abertas para a corrupção e de que o partido de André Ventura nunca fala. Neste debate, fica a sensação de que Catarina Martins poderia ter insistido mais e confrontado diretamente André Ventura com essas contradições. Mas, no final, perante o contra-ataque – afinal, lembrou Ventura, o Bloco nunca votou em nenhum projeto anti-corrupção apresentado pelo Chega – Catarina ficou sem resposta, dando a ideia de que foi buscar lã e saiu tosquiada. Será que o Chega votou, alguma vez, nalgum projeto do Bloco para combater a fuga de capitais? O espetador interessado – mas leigo – ficou sem saber…
E Catarina terá perdido, aqui, a oportunidade de ganhar um debate que, não tendo perdido claramente, ainda assim, lhe deixou um amargo de boca. Também não teve a presença de espírito para explorar a proposta de redução dos impostos que, nas suas palavras beneficiaria “o bolso” de Ventura. O deputado lembrou que, pelo contrário, propôs a redução dos salários dos deputados – e ainda não foi desta que um seu oponente, em debate, trazia as contas feitas: é que graças à taxa única de IRS, proposta pelo Chega, mesmo que os salários dos deputados desçam (consoante proposta paralela apresentada pelo mesmo partido), ao final do mês, em termos líquidos, cada deputado terá… um aumento e não uma redução.
Cenários de governabilidade
Do ponto de vista da substância política, e dos cenários pós-eleitorais, fica a pista açoriana, lançada, na mesa, por André Ventura. O líder do Chega usou, e vai usar na campanha, o “exemplo de sucesso” do acordo firmado com o PSD, nos Açores, para reforçar a sua pretensão em fazer parte de uma solução governativa nacional. De um certo ponto de vista, esta alusão pormenorizada à geringonça açoriana diz-nos mais sobre o debate que o Chega travará, nestas eleições, com o PSD, do que com o Bloco. No final, fica a sensação de que não se falou de política, de projetos para o País ou de soluções governativas – que ocuparam um espaço pequeno do debate e em que o candidato do Chega reiterou a sua ambição de ocupar pastas ministeriais, caso o PSD ganhe e precise do seu apoio. Com uma novidade: já não é só a Justiça e a Administração Interna, áreas de soberania do Estado, mas também a Segurança Social, pretexto ideal para que Ventura inclinasse o debate para o tema do “meio País a trabalhar para o outro meio”. De resto, muito eficaz na mensagem destinada ao seu nicho, Ventura não deu qualquer ideia de que poderá alargar o espetro eleitoral, na conquista de votos. Talvez ciente de que estas eleições serão muito polarizadas entre PS e PSD, Ventura preferirá, para já, assegurar – e segurar – o que lhe parece garantido, impedindo que os seus eleitores fujam em massa para a opção do voto útil.
Já Catarina Martins não foi convicente, na tentativa de alargar o espaço eleitoral natural do Bloco. E muito menos o quando pretendeu convencer-nos sobre as virtudes do seu partido em garantir soluções para o país e para governabilidade. Mas isso talvez seja matéria para o seu debate com António Costa…
Apoios sociais
Sobre os Açores, diga-se que Catarina Martins teve um dos seus momentos de maior eficácia quando falou das mães pobres, com filhos, de famílias monoparentais, que, naquela região autónoma, auferem de uma pequena ajuda do Estado que, em média, se cifra nos 83 euros. Um dos poucos temas concretos que deixou Ventura sem resposta.
As frases do debate
Catarina Martins: “O candidato da extrema-direita é mais previsível do que um disco riscado”
André Ventura: “Talvez possamos falar aqui de alojamento local, talvez mais tarde [respondendo ao mote da corrupção, lançado por Catarina Martins, e referindo-se ao caso Robles]
“O BE gosta de dar tachos pelo Estado todo”
“Se o Bloco apresentar alguma proposta válida contra a corrupção, cá estaremos, até posso reunir consigo um dia todo, uma noite toda…”
Catarina Martins: “Sobre corrupção no futebol, da extrema-direita, nem um pio…” [Alusão às conhecidas ligações entre Ventura e Luís Filipe Vieira]
“Não se conhece uma única proposta concreta da extrema-direita para a criminalizaçã dos offshores”
A GAFFE (Catarina Martins)
“Os imigrantes, que apoiam tanto o nosso partid… o nosso País (…)”