Quem estava a assistir ao debate da moção de confiança apresentada pelo Governo, esta terça-feira, ficou surpreendido com a forma inusitada como o líder parlamentar do PSD tentou, durante o plenário, convocar o líder do PS, Pedro Nuno Santos, para uma conversa privada sobre as dúvidas que levaram os socialistas a propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso Spinumviva. Horas mais tarde, Hugo Soares iria à CNN contar que tinha havido “conversas” antes do plenário. O que não contou foi o que terá oferecido aos socialistas.
Ao que VISÃO apurou, Hugo Soares contactou o PS cerca de uma hora antes de a sessão arrancar. O líder parlamentar social-democrata estaria disponível para fornecer os documentos que os socialistas pretendessem em troca de desistirem da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Alguns documentos não poderiam ser tornados públicos
Soares terá dito aos socialistas que poderiam mesmo apresentar uma lista dos documentos que pretendiam. Com uma condição: alguns deles não poderiam ser tornados público. A justificação seria o facto de estarem sob segredo comercial.
Esse foi, segundo uma fonte da direção socialista, “o primeiro e único contacto” feito entre os dois partidos sobre a CPI.
Já no plenário, perante a proposta de Hugo Soares de suspender os trabalhos para uma reunião com Pedro Nuno Santos, o líder socialista não deixou margem para dúvidas: “as respostas não são para o PS, são para o país”, disse, recusando a ideia de uma “Comissão Particular de Inquérito”.
Soares ainda submeteu um requerimento à mesa para a suspensão dos trabalhos, que foi chumbado pela maioria, com os votos contra de PS, Chega, PCP e BE e a abstenção de Livre e PAN.
Mais tarde, quase no final do debate, Paulo Núncio do CDS, exerceu o direito regimental de pedir a suspensão dos trabalhos durante uma hora. Na AD, a ideia era forçar uma negociação com o PS ou, pelo menos, passar a mensagem que estavam a fazer tudo para evitar uma crise política. Mesmo sem fazer a única coisa que podia garantir que o Governo não cairia nesse dia: retirar a moção de confiança.
Para evitar que alguém pudesse imaginar que estava a decorrer qualquer tipo de negociação, Pedro Nuno Santos optou por não sair da Sala das Sessões, onde se manteve com o seu núcleo duro até ao fim da hora de interrupção.
Durante o debate, nem Luís Montenegro nem Hugo Soares propuseram de forma aberta a retirada da CPI como moeda de troca para deixarem cair a moção de confiança.
“A proposta do Governo nem sequer era minimamente séria”
Aquilo que foi proposto à vista de quem assistia ao debate foi primeira uma Comissão Parlamentar de Inquérito de 15 dias. Algo nunca visto. Embora a lei não estabeleça um prazo mínimo, em regra as CPI começam com um prazo de 90 dias que, na maior parte dos casos, acaba por ser prorrogado, dada a complexidade dos trabalhos, a necessidade de agendar audições e de esperar por documentos que são requeridos.
No Facebook, o deputado socialista Filipe Neto Brandão explicou como, na prática, esse prazo inviabilizava a CPI. “O n.º 5 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares determina que ‘A prestação das informações e dos documentos referidos no n.º 3 tem prioridade sobre quaisquer outros serviços e deve ser satisfeita no prazo de 10 dias, sob pena de o seu autor incorrer na prática do crime referido no artigo 19.º, salvo justificação ponderosa dos requeridos que aconselhe a comissão a prorrogar aquele prazo ou a cancelar a diligência’. Ora, o Governo, ao propor que uma CPI a instituir tivesse como prazo 15 dias, isso significaria que, se entre a tomada de posse da comissão, análise de requerimentos probatórios apresentados pelos seus membros, a sua aprovação e a expedição de solicitação de documentos mediassem 5/6 dias, as primeiras respostas chegariam à CPI já depois de terminado o prazo para essa CPI funcionar”, escreveu.
“A proposta do Governo nem sequer era minimamente séria, era mesmo uma provocação”, concluiu Neto Brandão.
Durante a interrupção dos trabalhos, o PSD fez saber que tinha feito uma contraproposta para a CPI ter uma duração máxima de 60 dias, algo que também nunca aconteceu e que ia contra o facto de o PS ter usado o seu direito potestativo para impor esta comissão, ou seja, sem necessidade de negociar os termos e os prazos com nenhum outro partido para a ver aprovada.
Perante isto, tanto a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, como Pedro Delgado Alves, vieram criticar a ideia de que o escrutinado pudesse definir os termos do seu escrutínio, recusando entrar naquilo que os socialistas consideraram ser uma “barganha”.
Contactados pela VISÃO, nem Hugo Soares nem Alexandra Leitão quiseram fazer comentários.