O antigo secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales é o primeiro a ser ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso das gémeas luso-brasileiras tratadas, em 2020, com o Zolgensma. O antigo governante socialista invocou o estatuto de arguido e disse que não iria responder às perguntas dos deputados. A lei “confere-me o direito de me manter em silêncio para não me auto-incriminar”, disse Lacerda Sales, argumentando ainda não poder falar “dos factos devido ao segredo de justiça do processo”.
Antes, nas declarações iniciais, o antigo Secretário de Estado da Saúde lamentou o mediatismo criado em torno do Estado e do Serviço Nacional de Saúde e questionou os deputados o que teria acontecido se o Estado tivesse protelado o tratamento das crianças. “Provavelmente estaríamos aqui hoje a apurar os resultados dessa omissão.”
Lacerda Sales disse-se “estupefacto” com o relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que diz ser “fundamentado com base em meros indícios e suposições”. Acrescentou ainda que lhe parece que este corresponde a uma “tentativa de responder à pressão mediática da comunicação social”.
O ex-governante apontou ainda que “ninguém passou à frente de ninguém, pois não havia lista de espera” e que 36 crianças com a mesma doença das gémeas luso-brasileiras já foram tratadas em Portugal. Sales acrescentou que não está disponível para “ser bode expiatório em qualquer processo político” e mediático. “A minha conduta não é suscetível de merecer qualquer tipo de censura.”
Depois de dizer que não iria responder às perguntas, gerou-se alguma troca de argumentos entre os deputados presentes sobre se valeria a pena prosseguir com a CPI. André Ventura criticou o silêncio de Lacerda Sales e João Paulo Correia (PS) interrompeu para questionar se estariam reunidas as condições para continuar a sessão de perguntas.
O presidente da comissão parlamentar do Chega, Rui Paulo Sousa, mandou “prosseguir” a CPI, dizendo a Lacerda Sales que, a cada pergunta, “só terá de dizer que não responde”.
André Ventura foi o primeiro a avançar para as perguntas. Entre as várias a que se remeteu ao silêncio, para não “interferir no processo”, o ex-governante disse que o Presidente da República nunca falou consigo sobre este caso” e que, também, não falou sobre a mesma “matéria” com António Costa (na altura primeiro-ministro) e Marta Temido (ministra da Saúde). E ainda atirou a André Ventura: “Olhe-me bem nos olhos senhor deputado. Nunca chegou nenhum email ou nenhum processo formal ao meu gabinete.”
Seguiram-se os deputados dos outros grupos parlamentares, com Lacerda Sales sempre a invocar o direito ao silêncio. Fez uma ou outra declaração, mas não respondeu a questões concretas sobre e-mails enviados ou recebidos, ofícios do Presidente da República ou conversas com pessoas da Casa Civil da Presidência. Sales referiu algumas vezes que “a respetiva investigação tirará as conclusões próprias”. João Almeida, do CDS, ainda acusou o ex-secretário de Estado de não “querer colaborar” no apuramento dos factos, mas o ex-secretário de Estado retorquiu que não interfere “em matéria de processo penal”, e que não quer “violar o segredo de justiça” ou auto-incriminar-se.