A parte relativa às supeitas sobre António Costa no processo do lítio, hidrogénio e centro de dados só se manterá no Supremo Tribunal de Justiça, enquanto o governante se mantiver no cargo de primeiro-ministro. Segundo um magistrado deste tribunal, ouvido pela VISÃO, o foro especial previsto na lei aplica-se aos cargos e não à data da prática dos eventuais crimes em investigação, ou seja no exercício de funções. O mesmo magistrado recordou o precedente da Operação Marquês: logo após a sua detenção, em novembro de 2014, a defesa de José Sócrates alegou ter direito ao foro especial do Supremo, mas os tribunais não lhe deram razão.
De acordo com a alínea a) do nº3 do artigo 11º do Código do Processo Penal, “compete ao pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal”, julgar “o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro pelos crimes praticados no exercício das suas funções”. Logo, o respetivo inquérito criminal também deverá decorrer nesta instância, desempenhando o Ministério Público junto deste tribunal as funções de investigador e um juiz conselheiro fará o papel de juiz de instrução criminal.
Logo após a aplicação da prisão preventiva de José Sócrates, em novembro de 2014, a sua defesa invocou a incompetência do juiz Carlos Alexandre do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa para aplicar tal medida de coação, uma vez que estavam em causa alegados “crimes praticado no exercício” das funções de primeiro-ministro, embora José Sócrates já não o fosse. A alegação andou pelo Tribunal da Relação e Tribunal Constitucional sem uma resposta concreta, até que, a 16 de março de 2015, numa acórdão sobre um pedido de “habeas corpus”, também avançado por José Sócrates, o Supremo Tribunal de Justiça deu-lhe uma resposta: “Efectivamente, a fundamentação constitucional do foro especial está em íntima conexão com a posição ocupada pelo Primeiro-Ministro enquanto tal. Significa o exposto que a razão de especialidade de jurisdição desaparece logo por ocasião da cessação de funções como consequência lógica do desaparecimento do seu fundamento”, decidiram os juízes conselheiros Santos Cabral, Oliveira Mendes e Pereira Madeira.
Ainda que os dois primeiros tenham subscrito um acórdão que abria a porta a uma discussão mais profunda, o último conselheiro foi claro, numa declaração de voto: “Não possuindo o requerente”, José Sócrates, “a qualidade de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República ou de Primeiro-Ministro, é a meu ver indiscutível ser inaplicável no caso vertente a norma da alínea a) do n.º 3 do artigo 11º do Código de Processo Penal”.
É precisamente nesta situação que se encontra António Costa. Enquanto primeiro-ministros, as suspeitas sobre a sua conduta foram remetidas para o Supremo Tribunal de Justiça, tal como anunicou um comunicado da Procuradoria-geral da República: ” No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”
Porém, a partir do momento que sai do cargo, António Costa perderá o chamado “foro especial”, segundo o magistrado ouvido pela VISÃO, devendo a parte que lhe é relativa descer à primeira instância, ou seja, juntar-se aos demais arguidos do processo: Diogo Lacerda Machado, Vítor Escária, Rui Oliveira, Afonso Salema, Nuno Mascarenhas, João Galamba e Nuno Lacasta
Os cinco detidos no processo que investiga suspeitas de corrupção e tráfico de influências relacionadas com os projetos do lítio, em Montalegre, hidrogénio e um centro de dados, em Sines, serão interrogados, esta quarta-feira, pelo juiz Nuno Dias da Costa. Filho de um histórico da Polícia Judiciária, o magistrado judicial ocupa o lugar de J3 no Tribunal Central de Instrução Criminal.