António Antunes é um dos mais conceituados cartoonistas políticos portugueses. Assina como simplesmente “António” desde 1974 o consagrado cartoon editorial do jornal Expresso, onde desenha semanalmente figuras nacionais e internacionais. É também membro do júri do World Press Cartoon e foi agraciado agraciado com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade.
Os cartazes em que o PM aparece caricaturado como porco com lápis espetados nos olhos são racistas? Como avalia estes desenhos?
Este desenho é uma caricatura de má qualidade. Claro que se pode dizer sempre: ”Ceci n’est pas Costa”, mas é uma representação de evidente mau gosto e que não veicula qualquer ideia, a não ser a representação suína.
Compreende-se a polémica? Ou seja, considera que foram ultrapassadas linhas vermelhas?
A polémica é circunstancial, face ao facto de a reação do próprio primeiro-ministro ter sido transmitida por todas as televisões.
A imagem do porco, ou a animalização de pessoas, tem um histórico ofensivo no cartoon?
A animalização de pessoas tem um rasto enorme na história do cartoon e do humor em geral. Quem não se lembra de La Fontaine, por exemplo ?
A caricatura, como forma de expressão artística e sátira, deve ter limites? O António tem linhas que, como cartoonista, não ultrapassa?
Gostaria de dizer que não há limites para a criação de cartoons, mas evidentemente que há: a cultura da sociedade envolvente e os seus tabus, as características políticas e religiosas onde o cartoon é produzido e a interação com os leitores. No entanto, os autores não devem ficar amarrados a essas convenções e devem tentar superar essas limitações.
No júri do World Press Cartoon, que tipo de critérios são usados para separar o que pode ser ofensivo – humilhante, racista, homofóbico, machista, xenófobo? Ou tal não é critério de avaliação, desde que o desenho seja bom?
No júri do World Press Cartoon confluem cinco personalidades com perspetivas diferentes e oriundas de culturas diversas. Por isso, os embates sobre a qualidade estética e o conteúdo dos desenhos são, por vezes, acesos, mas a qualidade e a experiência dos jurados faz com que a qualidade dos desenhos premiados acabe por se impor.
Exagerar nos traços fisionómicos é uma técnica usual do cartoon. É preciso ter mais cuidado a caricaturar pessoas racializadas, de forma a não se cair num desenho que possa ser percecionado como racista?
Exagerar os traços fisionómicos é próprio da caricatura, seja de pessoas racializadas ou não. Parece-me também que é importante diferenciar uma caricatura em sentido estrito – exagero dos traços fisionómicos – e o cartoon, que carece sempre de uma ideia de suporte.
Já alguma vez foi processado por um desenho que fez?
Fui processado logo no início da minha carreira por um cartoon onde se afirmava que para o Presidente da altura – o General Costa Gomes – era indiferente o resultado do golpe do 11 de Março, pois ele estava dos dois lados – algo que a História não desmentiu. Devido às convulsões políticas da época, o processo acabou “na gaveta” dos amnistiados. Depois vivi várias polémicas: “O Guetho de Varsóvia em Shatila” em Montreal, “O Preservativo Papal” por cá e, mais recentemente, com o cartoon “Pax Canina” envolvendo Trump e Netanyahu, que levou ao fim dos cartoons no New York Times.