Lula da Silva vinha com a “notícia de que as forças democráticas mostraram a sua solidez” no Brasil. E nada melhor que afirmá-lo nesta terça-feira, dia em que se comemoram os 49 anos da liberdade em Portugal. Só que ainda não tinham passado três minutos da sessão solene de boas-vindas na Assembleia da República (AR), quando o presidente brasileiro foi alvo de um protesto insólito da extrema-direita, após admitir a “sensação de estar em casa”. No final, o político brasileiro classificou aquela cena de “ridícula”.
O ruído causado pelos deputados do Chega, munidos de cartazes e de bandeiras da Ucrânia, foi tal que o presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, viu-se obrigado a dar um murro na mesa: “Os deputados que querem se manter na sessão plenária tem de se comportar com urbanidade, cortesia e educação que é exigida a qualquer representante do povo português”.
“Chega, chega de Insultos. Chega de degradarem as instituições, chega de porem vergonha no nome de Portugal“, lamentou, em tom exaltado, Santos Silva, ao lado de um Marcelo Rebelo de Sousa descontente com aquela cena – que haveria de se repetir de cada vez que as outras bancadas aplaudiam Lula.
O presidente brasileiro começou por estabelecer um paralelismo entre os tempos das ditaduras do lado de cá e do lado de lá do Atlântico, para lembrar que, após o 25 de 1974, os tempos de perseguição no Brasil ainda continuaram até meados dos anos de 1980. Logo depois, ao pronunciar “Grândola”, o nome da canção que serviu de senha para a revolução portuguesa, o Chega foi ainda mais ruidoso.
“A democracia no Brasil viveu recentemente momentos de grande ameaça de saudosos autoritarismos tentaram atrasar o nosso relógio em 50 anos e reverterem as liberdades que conquistámos desde a transição democrática. Os ataques foram constantes – os irmãos portugueses assistiram a tudo, preocupados de que o Brasil desse as costas ao mundo”, disse Lula, debaixo de pateadas dos deputados da extrema-direita, reforçando que trazia “a notícia de que as forças democráticas mostraram a sua solidez”, para anunciar a uma Europa, “onde políticos demagogos que vivem nos seios políticos negam os benefícios conquistados”.
Na verdade, o raspanete de Santos Silva não travou a bancada à sua direita, que se manteve muito ruidosa – ao ponto de ter começado a sobrepor-se à voz de Lula, com um bater das mãos nas mesas -, apesar dos aplausos vindos da esquerda e de alguns deputados do PSD (tendo Mónica Quintela sido a única que, de pé, ovacionou várias vezes o brasileiro).
Condenação da invasão russa, mas…
Lula da Silva acabou por fechar o seu discurso com a guerra no Leste europeu, emendando, em parte, o que dissera na sua recente viagem à China e que levou a uma crítica generalizada à direita em Portugal.
“Condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia”, começou por sinalizar, arrancando aplausos à esquerda, para depois defender que “é preciso admitir que a guerra não poderá seguir indefinidamente”. “É preciso falar em paz para chegar ao objetivo indispensável”, disse, criticando o formato do Conselho de Segurança da Nações Unidas, por “estar paralisado” e não representar, décadas depois da sua criação, o atual poder mundial. “Por isso, defendemos uma reforma que resulte na ampliação do Conselho, de maneira que todas as regiões estejam representadas de forma permanente”, concluiu.
Já o presidente do Brasil saia, em direção aos Passos Perdidos do Parlamento, cumprimentando cada um dos ministros e António Costa, quando as bancadas da esquerda e alguns membros do Governo – onde o vermelho foi a tónica dominante nas indumentárias de algumas ministras – começaram a entoar “Grândola, Vila Morena”, levando a uma debandada geral do Chega.
Fora da sessão, Lula haveria depois de admitir que “quem faz política está acostumado” àquilo que classificou de “cenas ridículas” vindas do Chega. “Essas pessoas, quando voltarem para casa e deitarem a cabeça no travesseiro, vão falar: ‘que papelão fizemos'”, atirou.