Na hora da despedida, Rui Rio demorou-se, mais uma vez. Cinco meses depois de ter expressado a intensão de deixar a liderança “laranja”, por causa do desastre eleitoral das Legislativas, era suposto subir ao palco do Super Bock Arena, no Porto, às 21:00 para inaugurar o 40.º Congresso do partido, que entronizará Luís Montenegro. Em vez disso, percorreu a plataforma reservada no recinto às televisões, parando para dar entrevistas de última hora a todos os canais generalistas. Os últimos balanços, as últimas críticas ao PS, as últimas garantias de que deu o seu melhor (últimas, porque promete recato – “não vou fazer o mesmo que me fizeram a mim”, disse). Eram já 22:00 quando enfim ocupou o seu lugar no púlpito para se despedir, mas quem tivesse aterrado no pavilhão da Invicta sem nada saber dos episódios recentes do partido, poderia acreditar que estava a tomar posse: Rio usou os seus minutos finais para diagnosticar a situação do país e para criticar o PS.
Rui Rio acusou os socialistas de conduzirem “Portugal para um patamar de atraso e ineficiência”, nomeando como principais problemas a inflação, o agravamento dos problemas sociais, a “falta de resposta dos serviços administrativos da segurança social, a desorganização do SEF e a falta de uma resposta capaz do Serviço Nacional de Saúde”, num discurso que recebeu três aplausos da sala e que não levantou todos os congressistas quer no momento em que entrou no palco, quer no momento em que o deixou.
Sobre a sua prestação, quis deixar claro que sai com “a naturalidade” com que disse ter estado sempre na política, “sem truques”. E acrescentou que tentou fazer mudanças durante os quatro anos e meio que liderou o PSD, recordando que, em 2018, desafiou os partidos para fazerem uma reforma na Justiça, que propôs uma revisão constitucional, a alteração do sistema eleitoral, a descentralização e até tentou fazer reformas internas no PSD. Enfrentou dificuldades externas e internas, acredita, justificando-se ainda com a quantidade de atos eleitorais que teve de gerir (11 – “nunca na história da democracia portuguesa houve tantos atos eleitorais concentrados num idêntico período de tempo).
Já Luís Montenegro – recebido com entusiamo numa casa cheia – não hesitou em tocar no que Rio passou em revista rapidamente, os resultados eleitorais das Legislativas de janeiro, referindo: “eu proponho que não são os eleitores que estão errados. Somos nós que não estamos a conseguir convencer”. O novo líder do PSD admitiu que “alguma coisa tem de estar errada” na forma como o partido se tem apresentado, sugerindo que é preciso “modernizar, organizar, renovar, regenerar e estabelecer com as pessoas uma relação de maior confiança”.
Para dar o exemplo, Montenegro anunciou, num discurso que não trazia no papel e que teve muitos momentos de improviso, que será a “locomotiva” social democrata e, a partir de setembro, se compromete a passar uma semana por mês num distrito sempre diferente do país para aumentar a proximidade com a população.

O novo presidente trazia ainda uma imagem na cabeça, o aniversário do Congresso em que Francisco Sá Carneiro “se reconciliou com o partido e retomou a presidência, a 1 de julho de 1978”. Um momento “especial”, que inspirou Montenegro: “Francisco Sá Carneiro trazia um projeto político diferenciador do que era o eixo central da governação socialista” e “desafiou o PPD a romper com qualquer tentação de comparação com o PS, antes de obter a primeira maioria absoluta da Aliança Democrática. Parece-me um bom tónico para este congresso”, desabafou, acelerando no tempo até chegar à década de Aníbal Cavaco Silva, época em que “Portugal chegava ao pelotão da Europa”, em que a “economia cresceu mais do que nos primeiros 20 anos deste século”, e em que “assistimos ao ciclo de maior investimento público, na saúde, na educação, na justiça, na cultura, no desporto, na habitação”.
No polo aposto estão, para Montenegro, os socialistas. “Tivemos um pântano [referência ao Governo de António Guterres], uma banca rota [José Sócrates] e agora temos um empobrecimento cada vez mais evidente”, acusou o presidente laranja, notando que o ponto comum em todos estes Governo era… António Costa, “o totalitarista”.
“Estamos a ir certinhos para a cauda da Europa”, continuou Montenegro, apontando “o aumento dos impostos”, e a falta de “meios humanos e materiais para um funcionamento normal” nos “hospitais, nas escolas, nos centros de saúde e no aeroporto de Lisboa”.
Para o fim, o novo líder deixou a polémica entre o primeiro-ministro e o ministro das Infraestruturas por causa da publicação de um despacho sobre a localização do novo aeroporto, que Costa revogou menos de 24 horas depois de Pedro Nuno Santos ter assinado e dado indicação para publicar em Diário da República – “a mais estranha e mais mal explicada briga entre um ministro e um primeiro-ministro”, que colocou em causa a “autoridade e credibilidade” de António Costa, depois de ter aceitado que Pedro Nuno Santos continue a fazer parte do Executivo.
Já sobre a posição dos sociais democratas nesta matéria, Montenegro disse que o partido “não será a muleta do Governo” e que a sua direção, que será conhecida no domingo, último dia do Congresso, fará chegar a Costa a metodologia e as condições necessárias para um eventual diálogo.