Em causa está a decisão do Conselho Superior da OA, presidido por Paula Lourenço, de validar, no passado mês de janeiro, o recurso, apresentado, em fevereiro de 2020, pelo bastonário Luís Menezes Leitão, que contesta a legalidade do despacho da presidente do CDL, Alexandra Bordalo Gonçalves, para a nomeação dos três vice-presidentes daquele órgão.
A (na altura) recém-eleita presidente do CDL, Alexandra Bordalo Gonçalves, nomeou como “vices” – que passariam a presidir a três das quatro secções daquele órgão (a primeira secção é presidida pela própria Alexandra Bordalo Gonçalves) – os três elementos que lhe seguiam na lista que apresentara a eleições, decisão contestada pelo candidato da lista derrotada, Paulo da Silva Almeida (apoiado por Menezes Leitão), que considerou que as nomeações deveriam respeitar o método de Hondt, o que implicaria que o próprio ocupasse um dos lugares de vice-presidente (e presidisse à 2.ª secção do CDL).
A queixa de Menezes Leitão, apresentada em fevereiro de 2020, daria entrada no CS em julho desse ano, mas apenas no ano seguinte seria distribuída. A decisão da 3.ª Secção do CS de considerar ilegal o despacho de Alexandra Bordalo Gonçalves só chegaria há dois meses, já depois de tomadas milhares de decisões por aquele órgão disciplinar – segundo a própria Alexandra Bordalo Gonçalves, só até final de março deste ano, já foram julgados 1228 processos, tendo sido aplicadas 765 sanções, incluindo duas de expulsão, e arquivados 293 processos (incluindo a aplicação de mais de 85 mil euros de multas e quase sete mil de sanções acessórias, parte das quais já está paga).
Decisões disciplinares podem ser todas anuladas? Alexandra Bordalo Gonçalves garante que “sim”; Menezes Leitão diz que isso “é totalmente falso”
Em declarações ao Público, Alexandra Bordalo Gonçalves assegura que a decisão do CS coloca “em causa a legalidade das decisões proferidas desde então e até ao momento”. À VISÃO, a presidente do CDL reforça essa convicção, lamentando que “o CS tome a decisão, mas não seja capaz de medir as suas consequências”. “No direito e na lei, não escolhemos aquilo que nos dá jeito. A partir do momento em que, supostamente, são tomadas decisões por um órgão que funciona ao arrepio da lei – como agora alega CS –, essas mesmas decisões passam a padecer de vicio, que fulmina quanto até agora praticaram”, alega.
Perante esta leitura, Menezes Leitão reage: “Isso é completamente falso”. “Não há nenhuma afetação de processos. A única coisa que está aqui em discussão é se os vice-presidentes são vice-presidentes, os membros do órgão são exatamente os mesmos e, por isso, as suas decisões tomadas até aqui são absolutamente válidas e sólidas”, afirma, acrescentando que, neste caso, “não há nenhuma base legal para que possa ser anulado qualquer processo que tenha sido decidido pelas pessoas que têm competência para o decidir”.
Motivações eleitoralistas? “Eles foram eleitos juntos”, diz presidente do CDL. “É absurdo” e “surreal” contesta bastonário
Em ano de eleições para a OA, agendadas para novembro, Alexandra Bordalo Gonçalves admite que possa “existir motivações eleitoralistas” por trás de todo este processo. “Acho que sim, eles foram eleitos todos juntos: presidente do CS, bastonário e o meu opositor [Paulo da Silva Almeida], que eles pretendem ver, à força, ser nomeado como vice-presidente do CDL”. “Em setembro do ano passado, numa assembleia da OA, o Sr. bastonário admitiu que apenas recorreu da decisão porque o meu opositor o foi chatear para ele o fazer, disse isto publicamente. Portanto, temos um bastonário para quem a legalidade só funciona se o forem chatear para fazer queixas”, diz, recordando que também nos conselhos deontológicos de Porto e Faro funcionam da mesma forma e que, neste caso, nenhum recurso do bastonário foi apresentado.
Menezes Leitão classifica estas acusações como “absurdas” e “surreais”. Rejeitando qualquer “motivação eleitoralista” o bastonário recorda que “cabe ao bastonário garantir a legalidade da Ordem” e, por isso, “ninguém pode esperar que, perante despachos ilegais, o bastonário não atue”. Apresentei recurso há dois anos e meio por considerar o despacho da presidente do CDL completamente ilegal, pois, basicamente, foram nomeados os vice-presidentes por despacho quando, na realidade, eles foram eleitos pelos advogados”, refere. “A decisão do CS vem, agora, e bem, corrigir esta situação”, diz.
Em relação aos conselhos deontológicos de Porto e Faro – que também (só) têm “vices” que pertenciam à lista vencedora das eleições –, Menezes Leitão alega que “mais nenhum conselho deontológico fez queixa formal”, mas admite que “se tivesse havido mais queixas teria atuado exatamente da mesma forma”.
Alexandra Bordalo Gonçalves avança com processo cautelar para travar decisão. Menezes Leitão lamenta “discussão” na praça pública
Entretanto, Alexandra Bordalo Gonçalves interpôs, no início deste mês, um processo cautelar no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, pedindo a suspenção da decisão do CS de anular o seu despacho de 2020. “O método de Hondt garante uma representação diversificada, e ela existe no órgão. O CDL tem eleitos das três listas que concorreram ao ato eleitoral, mas isso, obviamente, não garante cargos. É como se o primeiro-ministro António Costa tivesse de entregar cargos no governo a pessoas do PSD e do Chega, porque foram as forças políticas que se seguiram. Não por opção, mas por imposição”, explica.
A presidente do CDL considera que “não faz sentido ter como primeiro ‘vice’, quem me substitui nos meus impedimentos e impossibilidades, ser alguém que não partilhou o meu programa eleitoral e que, pelo contrário, foi o meu principal opositor. Não faz sentido nenhum”, realça.
Face a estes argumentos, Menezes Leitão apela “ao bom funcionamento da Ordem” e lamenta que a discussão deste tema tenha passado para a praça publica: “Há uma regra que diz que os advogados não devem discutir publicamente questões profissionais. E uma presidente de um conselho de deontologia, ainda mais, tem a obrigação de não ir para a comunicação social discutir estas ações. Portanto, se a atual presidente do CDL entende que o despacho do CS, que deu razão ao recurso que apresentei, não é correto, deve recorrer para tribunal e aguardar serenamente pela decisão. Agora, querer levar o assunto para a comunicação social, para que lhe deem razão, não me parece a melhor solução”.
Conselho Superior: dois anos para decidir
O tempo que demorou o CS a tomar a sua decisão neste processo – cerca de dois anos – também tem “aquecido” a discussão. Em declarações ao Público, a presidente do CS, Paula Lourenço, justifica a demora com “o volume de processos que chegam a esta órgão superior” e que estava nas mãos de Alexandra Bordalo Gonçalves ou Luís Menezes Leitão “terem sinalizado este processo como urgente”.
Explicações que, porém, não colhem em nenhuma das partes – naquele que é o único exemplo de concordância nesta conversa cruzada. “Este processo não é urgente no sentido legal do termo. Se está em causa a instalação de um órgão, na sequência de um ato eleitoral, alguém que tenha o mínimo de sensibilidade percebe que isto tem de ser decidido rapidamente. Não podemos deixar cumprir todo o mandato e, a sete meses do final, dizer que, afinal, as coisas não estavam a funcionar corretamente”, afirma Alexandra Bordalo Gonçalves.
A mesma opinião tem Luís Menezes Leitão: “Não estou à espera, naturalmente, que o recurso de uma matéria eleitoral tenha uma duração de dois anos, mas isso é uma questão que tem de ser colocada ao CS, que tem autonomia. Do meu ponto de vista, claro, este processo não deveria ter sido tratado como qualquer outro, mas isso não aconteceu”. “Não é da minha responsabilidade”, conclui.