Já era expectável que o anúncio do encerramento de dois dos quatro centros de acolhimento de emergência a pessoas em situação de sem-abrigo, por alegada falta de “condições dignas” daqueles espaços, abertos em março de 2020 pelo Executivo de Fernando Medina (PS e BE), como resposta à pandemia, dominasse (parte) da reunião pública da Câmara Municipal de Lisboa, realizada esta quarta-feira. E, de facto, assim foi. O tom em que decorreu a conversa, por sua vez, surpreenderia os presentes.
O registo cordial de Carlos Moedas – “somos todos uma equipa”, diria, a certa altura, à oposição, o presidente – acabaria traído, logo no primeiro terço do encontro, na sequência de uma acesa troca de palavras entre Laurinda Alves, vereadora com o pelouro dos Direitos Humanos e Sociais (eleita pela coligação Novos Tempos de Moedas) e Beatriz Gomes Dias, vereadora do Bloco de Esquerda.
Nas últimas horas, Beatriz Gomes Dias insistira nas criticas. E, esta quarta-feira, apresentou mesmo à Câmara Municipal de Lisboa uma moção para “reverter”, com efeitos imediatos, a decisão de encerramento de dois centros de acolhimento de emergência, uma opção que voltou a considerar “errada” e desadequada”. Na resposta, Laurinda Alves não escondeu a indignação e irritação, classificando as queixas da vereadora do BE como “uma espécie de guerrilha”, que tem tido a comunicação social como palco.
Não sei como é na sua família, como é na sua família política, se as pessoas, podendo ser acolhidas em casa, são acolhidas na cave, no vão de escada ou na varanda, mas na minha família não é assim
Laurinda Alves
“Chega a ser repugnante ouvir alguém gritar por esta solução. Não posso manter as pessoas numa varanda, numa cave, num vão de escada, a fingir que as estamos a acolher. Não posso tolerar que venha gritar para os media que sejam abertos dois centros de acolhimento, que não eram centros, mas espaços improvisados sem condições dignas. Não sei como é na sua família, como é na sua família política, se as pessoas, podendo ser acolhidas em casa, são acolhidas na cave, no vão de escada ou na varanda, mas na minha família não é assim. Se quiser gritar, fica a gritar sozinha. A decisão está tomada e aqueles centros não vão reabrir”, afirmou, de rajada, Laurinda Alves.
As palavras da vereadora dos Direitos Humanos e Sociais motivaram reação imediata de Beatriz Gomes Dias, que, apesar de não ter tempo disponível, nesta altura do debate, fez referência à defesa da honra, obrigando Carlos Moedas a intervir, para pôr “água na fervura”: “Não houve ataque pessoal, não houve ataque pessoal aqui, a senhora vereadora [Beatriz Gomes Dias] não foi atacada pessoalmente, foi apenas uma resposta”, esclareceu, prontamente, Carlos Moedas, colocando um ponto final nas referências de âmbito pessoal.
Pessoas sem-abrigo realojadas
As cerca de 40 pessoas em situação de sem-abrigo que ocupavam os dois centros de alojamento de emergência municipal (CAEM) agora encerrados – a Pousada da Juventude, em Moscavide, e a Casa dos Direitos Sociais, em Marvila – já foram, entretanto, realojadas, à exceção de duas, garantiu Laurinda Alves. As duas pessoas que, neste momento, se mantêm em trânsito foram, para já, alojadas na Casa dos Direitos Sociais, na Bela Vista, mas a vereadora indicou que também estas situações serão resolvidas até ao final do ano.
Já ontem, na reunião da Assembleia Municipal de Lisboa, Carlos Moedas tinha confirmado a decisão de encerrar os centros, justificando-a com o facto de estes espaços funcionarem “sem condições dignas”, assegurando que todas as pessoas estão a ser “acompanhadas e reencaminhadas”. Esta quarta-feira, Laurinda Alves confirmou o diagnóstico, descrevendo que as pessoas sem-abrigo, colocadas naqueles espaços estavam sujeitas “a pragas” e eram “picadas” ao ponto de ficarem com “chagas abertas” nos corpos. Versão que Beatriz Gomes Dias, vereadora do BE – partido que, no Executivo de Fernando Medina, tinha o pelouro dos Direitos Sociais –, negou. No futuro, ninguém vai estar “falsamente alojado”, garantiu Laurinda Alves, que, a encerrar a discussão, confirmou que Lisboa ainda “tem 628 vagas no caso de haver mais pessoas a vir parar à rua”.