A investigação do processo Cartão Vermelho, a cargo do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), acredita que Luís Filipe Vieira, José António dos Santos, Tiago Vieira e Bruno Macedo participaram nos “esquemas de fraude” que lesaram a SAD do Benfica, o Novo Banco e o Estado em mais de 100 milhões. O Ministério Público (MP) considera que os suspeitos praticaram, desde 2014, os crimes de burla qualificada, abuso de confiança agravada, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada.
Mas quem são, afinal, os homens que orbitam em torno do presidente do Benfica (agora com mandato suspenso)? A VISÃO dá a conhecer os atores secundários de uma novela que promete ter ainda muitos capítulos.
José António dos Santos: “Rei dos Frangos” milionário
José António dos Santos, 79 anos, é dono de uma das maiores fortunas do país. Amigo de Luís Filipe Vieira há mais de 40 anos, o empresário fez fortuna no negócio do abate e venda de aves – lidera o grupo Valouro, uma das maiores empresas do setor agroindustrial em Portugal e na Europa –, o que lhe valeu a alcunha de “Rei dos Frangos”.
Natural da Marteleira, uma pequena localidade perto da Lourinhã, José António dos Santos é de origem humilde. Chegou a Lisboa em 1955 na companhia do seu irmão gémeo, António José dos Santos. Com apenas 14 anos, os irmãos começaram a trabalhar com o tio, Manuel dos Santos, na Casa Lourgie, dedicada ao negócio das aves. Depois da morte deste familiar, José e António pegaram nas rédeas da empresa. E fazendo-a crescer – fornecendo restaurantes, hotéis e, nos anos de 1960, até o exército português. Fiel às origens, José António dos Santos deslocou a empresa para a região do Oeste, onde ainda hoje se mantém, na localidade de Ramalhal, Torres Vedras.
Apesar do sucesso (e da fortuna), José António dos Santos manteve-se discreto. A ligação a Luís Filipe Vieira – que conheceu na década de 1970 – colocou-o, porém, sob os holofotes. Tornou-se sócio do presidente do Benfica nos negócios imobiliários em Lisboa. Benfiquista apaixonado, o empresário avançou para a aquisição, com a família, em 2017, de cerca de 16% do capital da SAD do clube (perto de 13% detidos por si diretamente). Tornando-se, assim, o maior acionista privado do clube.
Na mira da Justiça está agora a OPA do clube sobre a SAD, travada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), em maio do ano passado, por ser considerada ilegal, e que teria como objetivo beneficiar Vieira e José António dos Santos, através da criação de mais-valias de, pelo menos, 11 milhões de euros. A venda de 25% do capital social da SAD do Benfica a um investidor estrangeiro, nas “costas” da CMVM – igualmente para benefício do empresário e amigo do presidente do Benfica – também está a ser investigada.
Tiago Vieira: o braço-direito
Tiago Vieira, 43 anos, é o filho mais velho de Luís Filipe Vieira (que tem mais uma filha, dez anos mais nova), e considerado o sucessor do presidente do Benfica na liderança do grupo empresarial detido pela família. Aliás, é Tiago Vieira quem, nos últimos anos, tem tratado da maior parte dos dossiês que dizem respeito aos negócios particulares de Vieira – mais dedicado à gestão do Benfica.
Licenciado em Comunicação Empresarial no Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM), em Lisboa – estabelecimento de ensino superior que, em 2019, acabaria por fechar portas –, Tiago Vieira dedicou-se ao setor imobiliário, através da empresa Promovalor, conhecida pelos avultados investimentos em Lisboa e no Brasil. Luís Filipe Vieira preside à entidade (é dono de 80% do seu capital) e Tiago Vieira é vogal do conselho de administração (detém 5%). Os resultados da empresa, porém, nem sempre se revelaram os melhores: 11 milhões de euros de prejuízo em 2017, quatro milhões em 2018 e oito milhões em 2019. Em setembro de 2017, a dívida do grupo Promovalor ao Novo Banco estava estimada em… 227,3 milhões de euros.
Benfiquista, Tiago Vieira liga pouco a futebol. É no mar que o filho de Luís Filipe Vieira se sente melhor: pratica bodyboard desde os 10 anos de idade e é um apaixonado pelo mergulho. No plano pessoal, é pai de quatro filhos, fruto de três casamentos.
Segundo o Ministério Público (MP), Tiago Vieira terá criado, em conjunto com o seu pai, um esquema que permitiria aumentar indevidamente as comissões pagas pela venda de jogadores, verbas que depois serviriam para cobrir o passivo das empresas do universo de Luís Filipe Vieira.
Bruno Macedo: o “testa-de-ferro”
Bruno Macedo é um nome-chave no esquema que o MP acredita ter sido criado por Luís Filipe Vieira para desviar dinheiro das comissões das transferências de jogadores para o seu grupo empresarial. De acordo com a investigação, Bruno Macedo é o “testa-de-ferra” do presidente do Benfica em todo este processo: terá sido através das suas empresas, com sedes nos Estados Unidos, nos Emirados Árabes Unidos e na Tunísia, que o dinheiro terá circulado até chegar, por fim, às mãos de Vieira.
Bruno Macedo nasceu em Braga, filho de um conceituado advogado local: Vespasiano Macedo. O pai representava António Salvador, ainda antes do agora presidente do Sporting de Braga chegar ao mundo do futebol, e quando se reformou foi Bruno Macedo quem assumiu o seu papel. Conquistou a confiança do empresário e dirigente e, entre entre 2008 e 2013, ocupou o cargo de diretor do departamento jurídico do clube arsenalista.
Foi quando António Salvador e Luís Filipe Vieira se tornaram sócios em negócios imobiliários, no Brasil e em Moçambique, que Bruno Macedo conheceu o presidente do Benfica e o seu filho, Tiago Vieira. Bruno Macedo deixou o Sporting Braga e passou a dedicar-se apenas aos negócios no mundo do futebol. Foi nesse contexto que estreitou a ligação com Luís Filipe Vieira e o Benfica: e é assim que surgem os negócios suspeitos que envolvem os paraguaios Derlis González e Claudio Correa e o brasileiro César Martins.
Com os anos, Bruno Macedo tornar-se-ia um empresário influente no futebol português, colaborando com Benfica, mas também com FC Porto e Sporting. O Benfica continuou, no entanto, a ser o seu principal parceiro: só na época passada, o clube encarnado investiu na compra de jogadores 105 milhões de euros, 68 milhões em negócios conduzidos por Bruno Macedo (as comissões não são conhecidas). Como intermediário, Macedo foi ainda responsável pelo regresso de Jorge Jesus à Luz.
A detenção de Luís Filipe Vieira, José António dos Santos, Tiago Vieira e Bruno Macedo aconteceu na quarta-feira, na sequência de uma operação – coordenada pelo juiz Carlos Alexandre, pelo procurador Rosário Teixeira e pelo inspetor tributário Paulo Silva – que incluiu buscas à SAD do Benfica, à sede do Novo Banco e a empresas ligadas ao universo empresarial de Luís Filipe Vieira e José António dos Santos, e que envolveram cerca de uma centena de elementos da PSP e da Inspeção Tributária. Os quatro detidos foram ouvidos no Tribunal Central de Instrução Criminal entre quinta e sexta-feira. As medidas de coação devem ser anunciadas pelo juiz Carlos Alexandre nas próximas horas.