O presidente da Fundação “O Século” mudou, alguns funcionários foram demitidos num despedimento coletivo e a nova administração deu início a uma estratégia para encontrar o equilíbrio económico e assegurar a sobrevivência da instituição. Mas as marcas da gestão passada, que deixou a Fundação de São Pedro do Estoril com dívidas de 4 milhões de euros, continuam a fazer-se sentir no dia-a-dia dos trabalhadores: o subsídio de Natal de 2017 ainda está em falta e só 35% dos salários de dezembro foram pagos.
Numa carta a que a VISÃO teve acesso, os funcionários da fundação pedem ajuda ao presidente da República, ao primeiro-ministro, ao ministro das Finanças e ao ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social para que sejam desbloqueadas verbas e assim consigam ter nas contas o que falta do salário dedezembro: “Reconhecemos o profundo esforço da racionalização que tem vindo a ser feito e que teve como principal consequência o despedimento de um terço dos trabalhadores em prol de um equilíbrio económico já alcançado. No entanto, a realidade financeira é outra, marcada pelas dificuldades de tesouraria resultantes da dívida herdada a fornecedores (750 mil euros) e da anulação de receitas futuras. Ora, estas dificuldades ainda são agravadas por falta de ajuda de quem menos esperávamos, o Estado, impedindo o pagamento do ordenado do mês de Dezembro.”
A instituição tem a receber do Estado cerca de 50 mil euros relativos ao programa Escolhas, um projeto no bairro da Galiza e no bairro da Torre, em Cascais. Esse valor deveria ter sido pago até ao fim do ano, mas por disposições burocráticas na Lei do Orçamento esse pagamento ainda não foi feito e não se sabe quando será. Em junho, a nova administração da Fundação também se candidatou ao Fundo de Socorro da Segurança Social, devido à grave situação financeira que impedia a continuidade da obra social. Mas essa candidatura continua em análise, o que tem dificultado a liquidez de tesouraria da instituição.
Na missiva enviada a Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Mário Centeno e Vieira da Silva, o grupo de 46 trabalhadores diz que o apelo tem como objetivo recordar a vasta obra social desempenhada por uma fundação criada há décadas e que é “reconhecida e muito valorizada” dentro e fora do concelho de Cascais. Os funcionários recordam ainda que viveram num passado recente “tempos conturbados e difíceis” e que, apesar de terem uma nova administração e um novo conselho de curadores que acreditam na obra, e apesar dos esforços financeiros dos últimos meses, continuam a sentir-se sós: “Sentimo-nos sozinhos, sem rumo e sem sabermos a quem apelar.”
Recorde-se que a anterior administração da Fundação “O Século”, presidida por Emanuel Martins, está a ser investigada pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público por suspeitas de contratação indevida de familiares e amigos maçons e de uso de dinheiros públicos para fins privados. Como a VISÃO revelou, Emanuel Martins, já constituído arguido neste processo, é ainda suspeito de ter usado os cartões de crédito da instituição para pagar hotéis, clubes nocturnos e ainda 10 mil euros em downloads no iTunes. No final de 2017, a instituição particular de solidariedade social (IPSS) tinha dívidas de 4 milhões de euros, entre IVA, segurança social dos trabalhadores, fornecedores e financiamentos bancários. Em agosto, em declarações à VISÃO, o antigo presidente da instituição justificou-se assim: “Fiz sempre o que achei que era melhor para a Fundação. Já disse ao Ministério Público o que tinha a dizer sobre essas despesas. Tenho a certeza de que aquilo que gastei não foi para me servir a mim, mas para servir a Fundação. O resto foram despesas que assumi e que deveriam ter sido refletidas nas contas, se elas não estivessem atrasadas.”