Uns dias antes de Manuel Pinho fazer a esperada viagem entre Pequim e Portugal para prestar declarações no Parlamento, a 17 de julho, o Ministério Público passou à Polícia Judiciária (PJ) um mandado de revista e apreensão para o ex-ministro suspeito de corrupção no processo das rendas excessivas da EDP. Os procuradores Carlos Casimiro Nunes e Hugo Neto, que conduzem a investigação no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), queriam que a PJ estivesse atenta aos passos do ex-ministro da Economia, a fim de poder revistá-lo, apreender todos os documentos e objectos que trouxesse consigo à chegada a Lisboa, fotografar os seus cartões bancários e o seu passaporte. Isto porque suspeitavam que o antigo membro do governo de José Sócrates, que passa longas temporadas fora a dar aulas na Universidade de Beijing, guardaria no seu telemóvel ou computador mensagens e emails recentes relevantes para o processo e queriam, ao mesmo tempo, averiguar que contas estaria a movimentar e para que países andava a viajar.
Só que este mandado, já noticiado pelo Observador, nunca chegou a ser executado. A 24 de setembro, perante um pedido de esclarecimento do Ministério Público sobre este assunto, Afonso Sales, coordenador de investigação criminal da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ, informou o procurador Carlos Casimiro Nunes que a PJ teria monitorizado os voos provenientes de Pequim, nos dias 13 e 15 de julho, com chegada ao Aeroporto de Lisboa às 7h40, mas não conseguira avançar com o plano de revista e apreensão. Porquê? Porque aparentemente Manuel Pinho não teria viajado nos voos em questão.
“A fim de ser cumprido o supracitado mandado, procedeu-se ao controlo de diversos voos/listagens de passageiros existentes nas diversas companhias aéreas, TAP e outras, inclusive voos com origem nos EUA e Dubai, tendo-se observado que Manuel Pinho não constava nas listagens de passageiros dos voos previstos até 16 de julho de 2018”, disse o coordenador da Polícia Judiciária. Num documento que consta do processo e que a VISÃO consultou, a PJ acrescenta ter sido impossível controlar os voos que teriam partido de outros destinos da Europa ou aferir o momento e o local específico da entrada em Portugal do ex-ministro devido ao “elevado número de entradas diárias no aeroporto de lisboa (cerca de 80 mil)”.
Aparentemente, Manuel Pinho teria trocado as voltas a toda a gente. Já que também o SEF, dizia o coordenador da Judiciária, teria dado conta àquele órgão de polícia criminal de que a entrada do ex-governante em Portugal não tinha sido sinalizada. Ao que tudo indica, Pinho terá voado para um aeroporto espanhol e entrado em Portugal pela via terrestre.
Mas a verdade é que depois de chegar a Lisboa Manuel Pinho fez pelo menos duas aparições públicas: no dia 17 de julho, pelas 10h, apresentou-se no DCIAP para ser interrogado – mas recusou-se a fazê-lo – e à tarde foi à Assembleia da República ser ouvido na Comissão Parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas. Apesar disso, nunca foi revistado. O coordenador Afonso Sales justificou-se assim:”Face à apresentação de recurso hierárquico pelo advogado do arguido, o MP decidiu não realizar o interrogatório agendado, tendo comunicado aos elementos desta PJ que acompanhavam a diligência que entendia não ser oportuna, naquele momento, a realização da revista e apreensão ordenada nos autos.” E depois disso o plano seguinte não tinha dado certo outra vez: “Foram desenvolvidos todos os esforços para apurar a data/hora da viagem de regresso do arguido ao estrangeiro, com ações no aeroporto de Lisboa que resultaram infrutíferas”, lamentou o coordenador da PJ.
Manuel Pinho tinha conseguido entrar e sair de Portugal sem que o Ministério Público conseguisse levar avante o seu objectivo. A PJ não tinha conseguido localizar a data, o momento e o meio da entrada em Portugal e também não tinha conseguido fazê-lo à saída.
Quando veio a Portugal para ser interrogado, Manuel Pinho não chegou a responder a nenhuma pergunta porque se antecipou e pediu o afastamento dos magistrados do Ministério Público – pedido esse que viria a ser rejeitado pelo diretor do DCIAP, Amadeu Guerra. O seu advogado tem alegado que a sua constituição de arguido não é válida porque não foi confrontado com quaisquer suspeitas da primeira vez que veio a Portugal, ao edifício da Polícia Judiciária, mas o Ministério Público tem outro entendimento
O Ministério Público suspeita que quando Pinho tomou posse, em março de 2005, como ministro da Economia e Inovação, terá continuado a receber avenças encapotadas do Grupo Espírito Santo para favorecer os interesses do Grupo Espírito Santo e também da EDP, participada do Banco Espírito Santo, em matérias como os CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual), extensão do domínio público hídrico, aprovação dos PIN das Herdades da Comporta e do Pinheirinho ou a aquisição de controlo conjunto da Auto-Estradas do Atlântico pela Brisa Auto-Estradas do Oeste. A investigação acredita que mais tarde Manuel Pinho terá também recebido contrapartidas da EDP, como um patrocínio cedido pela elétrica à Universidade de Columbia, nos EUA, onde o ex-ministro viria a dar aulas sobre matérias energéticas das quais não era especialista.