“Rutura”, “rutura”, “rutura”. Rui Nunes não se cansa de utilizar o substantivo quando fala da sua candidatura à presidência do PSD-Porto. O médico de 56 anos, com quase 30 de militância social-democrata, considera que o “capital de confiança” dos portugueses no partido “tem-se degradado ano após ano”, pelo que recusa perpetuar a forma de funcionamento da distrital a que concorre. Há uma década, nota o professor universitário, em declarações à VISÃO, “o PSD era claramente hegemónico e hoje não tem a presidência de nenhuma das grandes cidades do litoral do distrito com mais de 100 mil habitantes”.
Por isso, entende que é preciso romper de duas formas na maior distrital “laranja” do País: uma no plano ideológico e outra no domínio da ação política, sobretudo “a nível municipal”, contrariando o funcioamento do partido que equipara ao de algumas “agremiações”, tal como Rui Rio afirmara na noite de 13 de janeiro, quando foi eleito presidente do PSD.
Apoiante de primeira hora do novo líder – afinal, foi o grande dinamizador do think tank “Uma Agenda para Portugal – Fórum Democracia e Sociedade” -, Rui Nunes recusa, contudo, que o seu avanço se deva a qualquer tentativa de Rui Rio controlar a máquina “laranja”. O médico – ainda à espera da convocação de eleições para a sucessão de António Bragança Fernandes – diz protagonizar uma “candidatura livre e integradora”, “espontânea e das bases, não das cúpulas”. “Nesta candidatura cabem apoiantes quer do dr. Rui Rio, quer do dr. Pedro Santana Lopes, quer uma imensa moldura humana que não se reviu em nenhuma das candidaturas”, aponta, antes de avisar que quando tiver de haver “efervescência” com a direção nacional, ela não deixará de ocorrer.
Perante um PSD que considera estar, de há uns anos a esta parte, numa “trajetória auto-destrutiva” e a “definhar”, Rui Nunes garante que não pediu licença a Rui Rio para ser candidato. Confidencia até que se limitou a fazer “uma comunicação” ao presidente social-democrata e , “ponto final”, avançou.
Mesmo quando sublinha que não pretende fazer uma rutura tendo pessoas como alvos, o professor catedrático da Faculdade de Medicina do Porto e presidente da Associação Portuguesa de Bioética realça que pretende que a distrital do Porto funcione como “um farol” moral – embora evite expressões de que possa vir a ficar refém, como o “banho de ética” que Rui Rio prometeu.
Numa altura em que o PSD ainda digere as investigações a antigas ou atuais figuras do inner circle de Rio – Feliciano Barreiras Duarte por ter forjado o currículo, Elina Fraga devido à contabilidade da Ordem dos Advogados e Salvador Malheiro pelo transporte massivo de militantes no dia das diretas e ajustes diretos controversos na qualidade de presidente da Câmara de Ovar -, Rui Nunes traça uma linha vermelha e alerta que não pactuará com episódios similares.
“Na minha candidatura não vai haver sindicatos de voto, nem o pagamentos de quotas a militantes. São práticas a que eu, caso seja eleito, e mesmo durante a eleição, estarei particularmente atento. Terei zero de complacência com essas práticas. Não creio que acrescentem nada àquilo que deve ser a respeitabilidade da ação políticia e dos partidos políticos. Eu sei que é difícil vencer contra as regras do jogo mas prefiro perder do que socorrer-me desses meios”, avisa.
A pouco mais de um ano das eleições legislativas, Rui Nunes faz um aviso à navegação: consigo, não haverá critérios aparelhísticos nem lugares cativos na corrida ao Parlamento. “Haverá uma rutura exatamente na mesma linha que eu defendo para a atitude geral da distrital. Na medida daquela que for a nossa esfera de competência, obviamente tentaremos selecionar pessoas qualificadas, umas da atividade política, outras da sociedade civil.”
Mais longe, a três anos e meio, vêm as autárquicas, mas o docente universitário quer preparar com antecedência esse combate para prevenir desastres como o de Álvaro Almeida (hoje membro Conselho Estratégico Nacional) na eleição de outubro passado, em que o PSD não foi além de 10,4% nas preferências dos portuenses. Rui Nunes espera “encontrar nomes fortes”, mas antecipa que Paulo Rangel daria “obviamente um excelente candidato à Câmara Municipal do Porto” por ser “uma pessoa respeitável, notável, com pensamento, trabalho feito e um bom parlamentar”.
Quanto à corrida para a maior distrital do País – nas diretas de janeiro podiam votar 13.132 militantes -, em que não tem ainda nenhum adversário assumido, Rui Nunes assegura que “não gostava de concorrer sozinho” porque, quando assim é, a trajetória é “inglória”, ao passo que, havendo concorrência, o “nível de mobilização seria maior”. “Não quero vencer a todo o custo”, enfatiza.
O candidato revela ainda que está a desenhar um projeto político – que poderia designar por “Uma agenda para o distrito” – assente numa “perspetiva integrada” para os 18 concelhos, mostrando-se fiel ao “princípio da descentralização de todas as competências, que o PSD já tinha iniciado com dr. Pedro Passos Coelho”, quer na educação e na educação, como também nas artes e na ação social. “Esta perpetiva de um distrito muito mais harmonioso, com uma convergência económica e social muito maior, é importante porque aquilo que eu não gostaria era de olhar para a descentralização como criar no Porto uma segunda Lisboa”, sustenta.
Pelo caminho, faz ainda um remoque a António Costa e a Rui Moreira, sem fazer alusão direta ao episódio em torno da transferência do Infarmed: “Descentralização não é pegar nos organismos e levá-los a correr para o Porto. Mas funções, sim, porque a gestão de proximidade é muitíssimo mais eficaz e, ainda por cima, tem custos muito mais reduzidos, só tem vantagens. Mas o Estado tem a enorme função não apenas financiar mas, sobretudo, regular o sistema.”
No capítulo da reforma dos sistemas político e eleitoral, Rui Nunes volta a confessar-se partidário da eleição do líder do PSD por via de primárias abertas a simpatizantes – tema que também está em cima da mesa no PS – e sinaliza estar disponível para uma reflexão alargada acerca dos círculos uninominais – “desde que isso garanta a governabilidade do País como um Estado unitário, sem um queijo Limiano aqui e outro ali” -, bem como da introdução do voto preferencial, o que, explica, “exigiria maior cuidado na escolha de pessoas” que seriam apresentadas em cada sufrágio. Não sendo “uma questão prioritária”, pede que se pense “com calma e serenidade” nestas hipóteses.