A maioria das pessoas tinha chegado à hora marcada ao restaurante Taverna de Alcântara. Sabiam que iriam encontrar alguns amigos e outros mais desconhecidos. Ao todo, eram cerca de 50. Em comum, tinham a admiração por Passos Coelho e a identificação com o PSD. O pretexto para o encontro tinha sido lançado por Paulo Gorjão, um apoiante do ex-primeiro-ministro que tem vindo a ganhar cada vez mais seguidores na rede social Facebook, onde conquistou alguma notoriedade entre sociais-democratas por inúmeras publicações de apoio ao anterior Governo e de firme oposição a António Costa. O objetivo era passarem das conversas digitais para um animado convívio onde pudessem conhecer-se ou reencontrar-se. Conversavam animada e descontraidamente quando, sem aviso prévio, um homem alto, de sorriso tímido mas que combina com a postura austera que o identifica, se juntou à festa. O esgar de espanto que rapidamente se apoderou dos presentes foi acompanhado por um audível “oohh!”, proferido em uníssono, quando foi notada a sua entrada na sala. Passou a surpresa, chegou a euforia. Os aplausos não cabiam na sala, os sorrisos lutavam por ficarem apenas na cara. Passos Coelho, aparentemente satisfeito, agradecia, de pé, a receção calorosa, enquanto acenava e os menos tímidos se aproximavam para as primeiras fotografias e os primeiros cumprimentos.
“Parecia uma cena de filme”, conta Paulo Gorjão. Aquelas pessoas não sabiam que o ainda presidente do PSD iria marcar presença no jantar e reagiram por instinto. O organizador quis manter a presença de Passos Coelho em segredo. Seria uma forma de agradecer a todos os que se juntaram à iniciativa pelo mero convívio e de manter o jantar num registo familiar e informal, longe dos olhares da comunicação social.
O ambiente era descontraído e o presidente do PSD parecia estar confortável. Sentado no centro da mesa, estava constantemente a ser solicitado para tirar selfies, pedidos a que acedia sem qualquer constrangimento. Contava histórias e ouvia outras. Várias vezes esteve rodeado por um número de pessoas superior ao que as cadeiras em seu redor permitiam.
Pelo meio, com um discurso que durou cerca de 13 minutos, agradeceu a presença de todos num tom mais de resignação do que de despedida. “Costuma dizer-se que a maior prova de amor é sabermos separar-nos daqueles que amamos e prezamos para os deixar continuar aquilo que nós não podemos fazer”, disse durante a sua intervenção, justificando a sua retirada. “Saber sair também tem a sua arte.” Sem esclarecer o que fará depois de deixar a liderança do PSD, deixou apenas uma mensagem pouco conclusiva no ar: “É preciso saber esperar, não basta ter razão.”
Sair sem estrondo
Este tem sido o tipo de iniciativas em que Passos Coelho tem aparecido. Tem jogado pelo seguro, optando por estar com aqueles que o apoiam e sem o escrutínio mediático. Para lá da agenda inerente aos cargos que ainda desempenha – deputado e presidente do PSD –, a sua atuação, desde que anunciou que não iria recandidatar-se à presidência dos sociais-democratas, tem-se pautado por uma discrição que indicia uma preocupação com uma retirada suave. Depois do trambolhão das autárquicas, o líder laranja tenta que a sua saída aconteça sem grande estrondo. Foi também por isso, para evitar ter muito protagonismo nesta reta final, que recusou falar à VISÃO.
O ex-primeiro-ministro tem preferido encontros informais e não tem marcado presença em muitas ações nos últimos meses. Tem recusado quase todas as entrevistas e as intervenções no hemiciclo têm sido assumidas quase sempre pelo líder do grupo parlamentar laranja ou por outros deputados. A campanha para a sua sucessão está aí e Passos Coelho não quer que os holofotes se dispersem, optando pelo recato, até porque a exposição depois de uma derrota como a das autárquicas pouco o beneficia.
Dos próximos capítulos pouco se sabe. O próprio Passos Coelho não levanta o véu sobre o que irá fazer depois de o próximo líder do partido tomar posse. Sabe-se apenas que vai deixar o seu lugar como deputado e que irá publicar um livro, que já está a escrever, sobre os anos em que liderou o governo sob a alçada da troika. Não vindo de nenhum cargo na Função Pública fica a dúvida sobre o que irá fazer depois de deixar o cargo que foi seu nos últimos oito anos. Pessoas próximas de Passos Coelho garantem à VISÃO que o presidente do PSD não se irá afastar muito, até porque ainda acalenta a esperança de regressar ao palco principal da política portuguesa, talvez num novo ciclo.
O legado passista
No seio dos sociais-democratas, a saída de Passos Coelho também vai marcar uma mudança de ciclo. Muitos dos protagonistas que hoje dão a cara pelo partido apareceram durante a sua presidência. É o caso de Hugo Soares, Luís Montenegro ou Miguel Morgado. O último é um caso paradigmático: chegou a deputado depois de ter sido assessor político do ex-primeiro-ministro. À VISÃO, explica que, “ao contrário do que dizem os críticos”, que acusam o líder laranja de ter tornado o partido mais liberal, “Passos Coelho manteve-se fiel à matriz do partido”, mesmo quando Portugal estava sob intervenção da troika e o partido não podia ditar as regras do jogo. A sensação de os sociais-democratas terem deixado a porta aberta para a entrada do liberalismo no partido advém, defende, de o PSD ter sido parte de um executivo numa altura “de emergência financeira.” E lembra até “as reformas na Educação” para contrariar a ideia de que houve uma preocupação única com o setor financeiro. Para Miguel Morgado, Passos Coelho “foi líder quando Portugal precisava de uma liderança política” e deixa um legado “muito poderoso.”
Já Miguel Relvas não vai tão longe. O ex-ministro da Presidência do Conselho de Ministros trabalhou de perto com o presidente do PSD no governo e foi um dos obreiros da sua ascensão interna, mas é mais cauteloso na análise à herança que Passos Coelho deixa. Apesar de considerar que se trata de “um legado importante”, o ex-governante lembra que a imagem do presidente do PSD está muito ligada à da austeridade. Considera que “só o tempo demonstrará que a austeridade foi um meio”, não um fim em si mesmo, e que só aí o desgaste que a imagem do ex-primeiro-ministro foi acumulando começará a diluir-se. Ao olhar para o futuro, o antigo ministro vaticina que Passos Coelho vai ter agora uma vida mais tranquila e uma melhor relação com o partido. “Os problemas dos líderes do PSD surgem enquanto eles lá estão, depois de saírem o partido trata-os bem.”
Ao longo dos oito anos em que esteve à frente dos sociais-democratas, também foi colecionando críticos internos. Mauro Xavier foi um dos últimos a fazer parte deste lote. O ex-dirigente da concelhia de Lisboa do PSD chegou a ser diretor de campanha de Passos Coelho, mas a relação entre ambos deteriorou-se com o passar do tempo, tendo como gota de água a preparação das eleições autárquicas. As divergências entre ambos tornaram-se insanáveis e Mauro Xavier demitiu-se do cargo, criticando abertamente “a falta de estratégia” do presidente do partido para fazer face às eleições. Ironicamente, foram essas eleições que acabaram por colocar um ponto final na presidência passista. À VISÃO, Mauro Xavier diz que há dois erros crucias na liderança de Passos Coelho. O primeiro “aconteceu ainda enquanto primeiro-ministro”, com a “não apresentação de uma agenda reformista ou de uma reforma do estado depois de ter sido alcançada a saída limpa” do plano de ajustamento da troika. O segundo erro foi achar que “o atual Governo iria implodir e a geringonça não ia aguentar muito tempo”, o que prejudicou não só a sua atuação enquanto líder da oposição mas também “a preparação para as autárquicas.” Apesar de acreditar que não é expectável ver o ainda presidente do PSD a voltar à política no curto prazo, não põe de parte essa hipótese. “Olhe-se, por exemplo, para o caso de Cavaco Silva, que voltou com uma candidatura a Belém”, diz em modo de presságio.
O ex-primeiro-ministro sai de cena mas ninguém, nem os críticos, veem com maus olhos um regresso num futuro ato. Fica a curiosidade de saber que personagem irá então interpretar.
(Artigo publicado na VISÃO 1293 de 14 de dezembro)